sábado, 16 de outubro de 2010

Entrevista com o Advogado Criminalista Kakay

"Nós advogados ganhamos muito em cima do que não é bem feito pela polícia e com os erros do Ministério Público. Alguns abusam, com um autoritarismo inacreditável". A frase é do advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, famoso por defender acusados conhecidos como os banqueiros Salvatore Alberto Cacciola, Daniel Dantas, os governadores José Roberto Arruda e Roseana Sarney, a ex-ministra Zélia Cardoso de Mello, e empresas, como a empreiteira Odebrecht e o Banco Safra.
Em entrevista concedida à revista Poder, o criminalista fala de sua vida pessoal e como é ser advogado criminalista diante do que ele chama de "mídia opressiva". Kakay conta que se surpreendeu quando seus filhos pediram para não defender os acusados de atear fogo no índio em Brasília. "Eu quase morri de susto", ressalta.
"O advogado criminal tem de ter cuidado para não ser confundido com os clientes", aponta. O criminalista além de ser um notório advogado é também uma pessoa influente e transita livremente nos bastidores da política. Foi ele quem aconselhou o presidente Lula a nomear Cláudio Fonteles para a Procuradoria-Geral da República e é consultado com frequência pelos medalhões da política quando as denúncias apertam.
Ele diz também ser contra o poder de investigação do Ministério Público porque este escolhe as provas para fazer a acusação, e que o mesmo acontece com os juízes dos tribunais superiores. "Por exemplo, no caso do Paulo Medina [ministro do STJ acusado de envolvimento com a máfia dos caça-níqueis], durante a investigação, várias medidas foram concedidas pelo ministro Cezar Peluso [do STF]. No julgamento, eu levantei várias liminares contra essas medidas e o próprio Peluso as defendeu porque eram dele", assevera.
Leia o texto e a entrevista publicados na revista Poder:
“Rei do Habeas Corpus" poderia ser um título adequado para Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido pela alcunha de Kakay. O advogado criminalista já provou, por sua trajetória de quase 30 anos, que tem a chave da cadeia. Livrou dela gente como os banqueiros Salvatore Alberto Cacciola e Daniel Dantas. E já defendeu de acusações cabeludas (e de grande repercussão na mídia) os governadores José Roberto Arruda e Roseana Sarney, a ex-ministra Zélia Cardoso de Mello, e empresas, como a empreiteira Odebrecht e o Banco Safra.
No ti-ti-ti de Brasilia, nos tribunais superiores, diz-se: prendeu, ele solta; acusou, ele absolve. Se o réu é culpado ou não, o criminalista não palpita: "Não estou lá para julgar". Habilidoso nas relações sociais (circula tanto no governo como na oposição), garante que sua façanha é técnica: analisa os processos à procura de deslizes na investigação da Polícia Federal ou na alegação do Mistério Público e planeja estratégias de acordo com o perfil de seu opositor. Quase sempre tem êxito. Mesmo na defesa de clientes "massacrados pela mídia", expressão que Kakay adora repetir.
Nesta entrevista, em uma suíte no hotel Emiliano, em São Paulo — onde se hospeda com regularidade —, diz gostar mesmo é de uma boa conversa, como bom mineiro, de Patos de Minas. Mora em Brasília, mas adora seu apartamento com vista para o mar na avenida Vieira Souto, no Rio.
Na capital federal, é sócio do restaurante Piantella, endereço que recebe a nata dos três poderes e onde ele costuma cantar — um de seus hobbies. No seu repertório, Roberto Carlos, que já foi seu cliente e o deixou nas nuvens quando telefonou para agradecer-lhe os serviços prestados. Também adora poesia. Guarda em casa uma biblioteca de mais de mil livros de poetas: de Fernando Pessoa a um tio mineiro, Leão de Formosa, cujos versos chegou a recitar durante a entrevista. Casado pela segunda vez com a madrinha de seu primeiro casamento —, tem três filhos: além do caçula de 5 anos, é pai de dois homens — um quase arquiteto, de 24 anos, e um estudante de direito, de 22, que já avisou ao pai que será escritor. "São intelectuais como a mãe, que é minha amiga", diz, referindo-se à procuradora da Fazenda Sônia Portela, com quem foi casado durante nove anos.
Nega veementemente a fama de petista, bradando que defendeu muito mais graúdos tucanos. Assume-se muito amigo de José Dirceu, mas também de José Sarney. Sua rede de influências no governo é tamanha que, segundo conta, foi o articulador da presidência do Senado entre o PT e José Sarney. Não só: aconselhou o presidente Lula a nomear Cláudio Fonteles para a Procuradoria-Geral da República e é consultado com frequência pelos medalhões da política quando as denúncias apertam. Como no caso do Mensalão do PT, quando recomendou que José Dirceu contratasse um advogado ligado ao PSDB, o que contribuiria para a imagem do ex-ministro da Casa Civil. Sobre tudo isso, Kakay fala. E muito mais. Inclusive sobre a falta de isenção dos ministros do Supremo Tribunal Federal. A seguir, trechos da entrevista:
PODER: Comenta-se que o senhor teve muitas vantagens no governo Lula. Uma delas foi o acordo da Caixa Econômica Federal com o fundo de pensão dos funcionários, quando dividiu com o advogado José Eduardo Alckmin uma comissão de R$ 32 milhões.KAKAY: Esse acordo foi assinado no fim do governo Fernando Henrique [Cardoso]. O pagamento é que foi no governo Lula. Fiquei rouco de dizer isso, mas ninguém queria ouvir. No governo Lula, não ganhei nada a mais. Meu escritório é no mesmo lugar e do mesmo tamanho. No governo FHC, eu advoguei para 13 ministros. No governo Lula, só para dois.
PODER: O senhor disse a vários jornalistas que votaria em José Serra. Isso foi para amenizar a sua fama de petista?KAKAY: Tive uma conversa longa sobre isso com Fernando Henrique, há uns 20 dias. A alternância de paderé absolutamente salutar, e o Serra não é simpático, mas é preparado. Só que ele fez tudo para que não votássemos nele. E eu não faço política partidária, mas tive muito mais clientes do PSDB. Mesmo assim, a mídia me uniu ao PT.
PODER: Com a sua visão privilegiada dos bastidores do poder, como enxerga as denúncias contra o governo Lula?KAKAY: Advogado não se impressiona com manchetes, principalmente em época de eleição. O caso da [ex-ministra da Casa Civil] Erenice Guerra, eu desconheço. Conheço o processo do Mensalão do PT e não acredito que tenha existido, muito menos com a participação do ex-ministro José Dirceu. O PSDB o escolheu como alvo porque ele seria o próximo presidente da República.
PODER: O PSDB tinha essa força?KAKAY: Tem forças que Deus duvida. Advoguei nos governos do PSDB e via como funcionava, com uma procuradoria muito menos atuante. O presidente Lula me pediu uma indicação sobre quem seria o melhor para procurador-geral da República, e eu disse: "O melhor é o está aí, há oito anos pelo PSDB. Agora, se quiser dar autonomia para o Ministério Público, vamos nomear o Cláudio Fonteles", que foi nomeado. Uma das virtudes do governo Lula foi fortalecer o Ministério Público. E o que mais me chateou na campanha do Serra contra a Dilma Roussef foi repetir o erro de dizer que o Brasil iria quebrar, como quando Lula foi candidato.
PODER: O receio em relação a Dilma não se refere mais a uma postura autoritária, à la Hugo Chávez?KAKAY: É água pro vinho, sendo que o vinho bom é a Dilma (risos) As instituições brasileiras estão em outro patamar e a imprensa tem ampla liberdade. O problema é que a imprensa não quer ser criticada. No direito criminal por exemplo, temos uma mídia opressiva, um fenômeno que precisa ser analisado.
PODER: O que chama de mídia opressiva?KAKAY: No caso Nardoni, por exemplo, talvez se tenha pela primeira vez no Brasil a chance de se anular um processo pelo excesso de exposição durante o julgamento com a cobertura televisiva, a pressão no júri foi enorme.
PODER: E como o senhor avalia o caso do jornal O Estado de S. Paulo, impedido por medida judicial de publicar reportagem sobre o empresário Fernando Sarney,filho de José Sarney envolvido em operação da Polícia Federal?KAKAY: Quando vi essa decisão, aconselhei José Sarney a fazer uma nota para eu levar ao diretor do Estadão. Não quero criticar a decisão do Fernando e de seu advogado,mas eu não faço isso, porque caracteriza censura. Com um cliente massacrado pela mídia, tem de saber se contrapor. Quando eu advogava para o Cacciola, fui a um diretor da Folha de S.Paulo e disse que precisava de uma página para falar, porque não dava só para sair o outro lado.O jornal publicou uma entrevista minha, que fez com que outros veículos viessem conversar comigo de forma diferente. Mas o problema do Fernando é sobre o sigilo do processo, que também é uma questão grave.
PODER: Por quê?KAKAY: Quase todo processo fica em sigilo de Justiça, só que quando interessa, a Polícia Federal vaza para a imprensa.. O jornalista tem o direito de publicar, mas o advogado não pode rebater, porque continua sob sigilo.Ele procura também vazar informações, só que não tem o mesmo efeito. Como notícia, interessa mais uma acusação do que uma defesa. Então o cliente é massacrado.
PODER: Corre nos bastidores que José Dirceu promovia essa política de vazamentos, quando era oposição.KAKAY: Conheci o Zé quando ele era deputado e vejo muitos mitos sobre ele. Um deles é que ele era esse vazador-mor. Ele participava de CPls c apresentava muitas denúncias, inclusive contra a Zélia [Cardoso de Mello, ex-ministra da Fazenda, acusada de corrupção no governo Collor], que virou minha cliente.
PODER: Dirceu lhe deu muitos casos?KAKAY: Muitos. (risos) Antes de ser ministro. Depois, não me deu mais nenhum. Nem o dele.
PODER: Não foi o senhor que o aconselhou a procurar um advogado ligado ao PSDB?KAKAY: Exatamente. Na época das denúncias do Mensalão, Zé me procurou e eu disse. ''Você está tão marcado que é melhor procurar o José Carlos Dias, que foi ministro do PSDB e a pessoa que mais me ajudou na minha vida profissional". Mas o Dias já era advogado de um banco.AÍ eu indiquei o Juca [José Luis de Oliveira Lima].
PODER: Como é a sua relação com José Sarney?KAKAY: Muito boa. Nunca tinha falado com o presidente Sarney até o dia em que ele me ligou para dizer que a filha estava com aquele problema da Lunus [empresa da governadora do Maranhão na qual, em 2002, a PF apreendeu o que seria um dinheiro de campanha não declarado]. Quando cheguei à casa de Sarney, estavam ele, o [senador] Jorge Bornhausen e a Roseana. E eu disse: "Presidente, quero conversar sozinho com Roseana". E eu senti que ali surgiu uma empatia. Roseana perdeu a candidatura [à Presidência da República], mas não foi sequer processada, não virou ré. Nós provamos que existia um abuso do Ministério Público, conseguimos a devolução não só do dinheiro como de toda a documentação que foi apreendida. Depois disso, passei a freqüentar a casa de Sarney e fiz questão de dizer a ele: "Presidente, quero que saiba que eu sempre fui um opositor ao senhor".
PODER: Por que não gostava de José Sarney?KAKAY: Porque tive uma formação de esquerda e tinha outra visão do político Sarney.
PODER: E, hoje, qual é a sua visão sobre ele?KAKAY: Como pessoa,gosto muito dele. Como político, é muito hábil e foi importante na presidência do Senado. Pouco antes do governo Lula, quando se cogitou no PT a hipótese de Sarney presidir o Senado, fui falar com ele, a pedido de uma pessoa do governo.
PODER: De quem? Alguém do PT?KAKAY: Lógico, um mês antes de o presidente Lula assumir, uma pessoa do PT me pediu para consultar o Sarney.
PODER: O senhor de fato articula os bastidores do poder?KAKAY: Eu tenho muitos amigos. Tem advogado que se relaciona com o cliente somente no tribunal. Eu não,eu sou amigo de governadores de todos os partidos. Advoguei pro (José Roberto) Arruda, pro (Joaquim) Roriz, pro Paulo Octávio e tenho boas relações com essas pessoas.
PODER: E, como amigo, participa do manejo de poder?KAKAY: Não, também não é assim. No governo Lula, eu nunca fui ao Palácio do Planalto.
PODER: E precisa ir ao palácio para ter influência?KAKAY: (risos) Sou sócio do Piantella e nunca convidei um membro do Supremo para jantar lá
PODER: O senhor tem amigos mais influentes do que os ministros do STF, não?KAKAY: Tenho, e em todas as áreas, inclusive na imprensa. (risos)
PODER: Se o cliente é culpado não importa para o senhor?KAKAY: Eu não sou juiz, nem padre, nem Deus. Eu vejo se tenho condições de fazer uma defesa técnica boa. Já tive cliente que chegou ao meu escritório e disse: "Eu matei a minha mulher", e eu advogo. Felizmente, nunca perdi um caso de cliente que tenha matado a mulher.
PODER: Absolveu homens que mataram suas mulheres?KAKAY: Nos casos em que atuei, ganhei. E sem tese de honra, nada disso.
PODER: O senhor faz o tipo "advogado do Diabo", é isso?KAKAY: (risos) Eu só advoguei uma vez com a mídia favorável. É a melhor coisa do mundo. Foi nos anos 90, no caso Marco Velasco, morto por uma gangue. Foi o primeiro júri transmitido ao vivo no Brasil, 36 horas no ar.
PODER: Mas o senhor não teve mais vezes a mídia a seu favor por causa da fama negativa de seus clientes.KAKAY: O advogado criminal tem de ter cuidado para não ser confundido com os clientes. Quando o índio Caldino foi queimado em Brasilia, eu estava na fazenda com meus filhos — que na época tinham 8 e 6 anos —, e o mais novo me pediu: "Pai, esse daí, não pega não. Na escola, não tem como eu falar que você está defendendo esses meninos". Eu quase morri de susto.
PODER: Seus filhos se sentiam pressionados?KAKAY: Eu não diria pressão, mas, na visão maniqueísta infantil, você está defendendo o inimigo público. Ontem à noite, eu estava num café com o [artista plástico] Vik Muniz e umas pessoas que conheço pouco, quando a esposa do Cacciola foi à mesa me cumprimentar. Uma delas disse: ''Você conhece esse povo?". Eu vejo que tem um grau de espanto. Há uma rotulação, mas, com dois minutos de conversa, eu mudo a visão das pessoas sobre mim. A sociedade se porta como num jogo de máscaras. A pessoa está em casa com dificuldades e vê no Jornal Nacional alguém poderoso sendo preso. Ela tem uma felicidade íntima inexplicável. Ela veste a máscara da hipocrisia e não quer saber se preservaram os direitos constitucionais. Mas, se o mesmo acontece com ela ou um familiar, veste a máscara do devido processo legal. Tem histórias de injustiça inacreditáveis, como o caso Cacciola [banqueiro acusado de ter acesso a dados sigilosos do Banco Central). Eu tenho absoluta convicção de que ele não tinha informação privilegiada, tanto que quebrou.
PODER: Foi o senhor que conseguiu a liminar que libertou Cacciola e o possibilitou ir para Itália?KAKAY: Quando ele foi para Itália, eu saí do caso. Ele não fugiu, estava em liberdade e tinha o direito de ir. Mas existia um barulho de que ele fugiria se fosse solto e, de certa forma, eu emprestei a minha credibilidade. E ele foi, sem me avisar. Então, disse a ele que não continuaria no caso. E ainda falei: "Alberto, não vá nem ao Vaticano".
PODER: O banqueiro Daniel Dantas, seu cliente, se beneficiou da incompetência da Polícia Federal?KAKAY: Ali não foi incompetência, foi um erro doloso. Nós advogados ganhamos muito em cima do que não é bem feito:o pela polícia e com os erros do Ministério Público. Alguns abusam, com um autoritarismo inacreditável. Sabe o que é pedir o sigilo bancário de dez pessoas que estão sendo investigadas e colocar na lista mais uma pessoa que não era investigada, como aconteceu com O Eduardo Jorge? Isso é crime e tem de ser punido exemplarmente. Sou contra o Ministério Público investigar, porque escolhem as provas para fazer a acusação. É uma coisa grave que acontece também com os juízes dos tribunais superiores. Por exemplo, no caso do Paulo Medina [ministro do STJ acusado de envolvimento com a máfia dos caça-níqueis], durante a investigação, várias medidas foram concedidas pelo ministro Cezar Peluso [do STF]. No julgamento, eu levantei várias liminares contra essas medidas e o próprio Peluso as defendeu porque eram dele.
PODER: Não existe a isenção do juiz?KAKAY: Não existe. Num processo criminal que mobiliza o país não tem isenção.
PODER: O senhor discorda do ministro José Antonio Dias Toffoli, que disse em recente entrevista para PODER que as decisões do juiz não são subjetivas?KAKAY: O ministro tem obrigação de dizer isso sabendo que não é verdade. Eu sempre digo aos meus clientes: "O juiz é humano e se ele vai julgar um caso que a imprensa está massacrando, vai ter influência". A mulher, a filha, os amigos dele vão comentar.
PODER: Então, já que o presidente Lula indicou oito ministros paro o STF, temos um Supremo parcial?KAKAY: Não, Lula indicou ministro que ele mal conhecia, como Joaquim Barbosa. Quando digo que o juiz não é insensível, não quer dizer que ele seja partidário.
PODER: E no caso de Toffoli, que foi advogado de Lula?KAKAY: É a mesma coisa do Gilmar [Mendes], que era ligadíssimo ao Fernando Henrique, e hoje é um dos melhores ministros do Supremo. Gilmar não é imparcial, mas a parcialidade dele é positiva: ele briga fortemente a favor da liberdade de imprensa e foi contra o momento policialesco do Brasil. Ele é o Toffoli do Fernando Henrique. E se o Toffoli for nessa linha estará muito bem.
PODER: Que tal viver em Brasília?KAKAY: Tem uma qualidade de vida fantástica, mas a proximidade do poder afeta algumas pessoas. A Brasília do poder é uma ficção. É como ir a Los Angeles e achar que é celebridade e que vai jantar com a Julia Roberts.

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