terça-feira, 18 de dezembro de 2012

O sentido como expressão do Direito: Uma abordagem sociolingüística do delito





Leonardo Lobo de Andrade Vianna





Resumo: A evolução das concepções teóricas sobre o fenômeno do Direito vem de longa data, sobretudo com a superação da formal interpretação do Direito tal qual concebido pela corrente dos positivistas. Passou-se a observar o quanto o fenômeno jurídico é dependente da linguagem, construído através de um profundo e dialético contato do Direito com as demais ciências humanas, associadas às inter-relações socioculturais dos indivíduos. Com a evolução da sociologia do direito penal, principalmente a partir das idéias do labeling approach, ficou nítida sua relação com o estudo da Semiótica indicando o deslocamento do objeto de pesquisa – do estudo dos fatores da criminalidade, e do criminoso - para o enfoque da reação social e o processo de atribuição de significados aos comportamentos considerados desviados pelos detentores do poder de decisão (instâncias oficiais).



Palavras-chave: Linguagem - labeling approach – interpretação – instâncias oficiais.





I – Introdução



A língua de um povo não se restringe ao processo fonético, a pronúncia. É mais do que um meio de comunicação, expressa sentidos e permite uma interação sócio-cultural, e porque não, uma interação sócio-jurídica. A interação direito e linguagem é intensa, uma ferramenta importante na luta pelo Direito.

O direito utiliza um vernáculo peculiar, um linguajar próprio abarrotado de jargões, termos em latim e/ou expressões técnicas, num jogo de linguagem próprio.



A linguagem sem dúvida é uma das maiores ferramentas de convencimento. Linguagem aqui utilizada no sentido mais amplo que o fonético – como processo cognitivo.



No mundo jurídico uma afirmação incorreta pode implicar grandes conseqüências, uma expressão equivocada pode causar perdas irreparáveis.



Como se sabe, no final do século XIX, passou-se a querer dar um tratamento científico ao direito penal (a causalidade está assim para física, como a culpabilidade está para a psicologia).



A corrente positivista de Hans Kelsen (século XX), passa a delinear a Ciência do Direito como desprovida de qualquer influência externa, ou seja, a corrente positivista (Teoria Pura do Direito, publicado pela primeira vez em 1934), entendia que a norma jurídica é o alfa (α) e o omega (Ω) de todo sistema normativo. Para tal corrente de pensamento, a ordem jurídica é um sistema hierárquico de normas (sistema piramidal), cuja interpretação somente pode ser realizada com o regresso à norma fundamental, ficando de fora toda interpretação histórica, sociológica, etc.



A partir da derrocada do positivismo, no início da década de 70 do século passado, com a evolução das concepções teórias sobre o fenômeno do Direito, passou-se a detectar-se quanto o fenômeno jurídico depende da linguagem para constituir-se como tal. Não há direito sem discurso, pois a racionalidade do que é jurídico depende do inter-relacionamento humano que deve muito aos meios e aos métodos de comunicação . Criou-se condições para o nascimento de novas ciências critícas das práticas do Direito.



Neste contexto, surgiu a Semiótica Jurídica com o objetivo de exercer a crítica a juridicidade. Para tanto, passau a se deter na aguda análise dos procedimentos discursivos jurídicos, detectando em seus meandros as valorações, ideologias, dados culturais, interesses... que nele se ocultam.



A proposta da Semiótica Jurídica, como estudo da significação da linguagem jurídica, é coloca-se à disposição da compreensão do discurso jurídico como uma formação de sentido dotada de poder, de ideologia capaz de exercer e produzir efeitos extradiscursivos.



Possui a aptidão para lançar reflexos sobre todos os discursos individualizáveis pela ratio humana. O Direito, entendido como estrutura essencialmente mutante, tendo em conta que a realidade é por si pluridiscursiva e polissêmica .



A Semiótica Jurídica possui o potencial de operar sobre pluridades discursivas heterogêneas da sociedade moderna, fazendo-se presente e funcional no domínio de cada qual desses discursos circunscritos; é nesse sentido que está seu vanguardismo, pois existem universos de discurso jurídico inteira e absolutamente inexplorados em termos de linguagem.



II – A Relação Semiótica com o Direito



A semiótica ou a chamada sóciolingustica visa o estudo do caráter sistémico das relações entre estruturas sociais e linguística . Enfim, é o ramo que estuda a interação da linguagem com a sociedade.



Semiótica, do grego semeiotiké, é a doutrina filosófica geral dos sinais e símbolos . É a ciência geral dos signos que estuda todos os fenômenos culturais como se fossem sistemas de significação. É o modo como o homem significa o que o rodeia.



A língua é o instrumento que permite a relação sócio-cultural, relação essa só encontrada entre os humanos, daí porque a linguagem, a interpretação de símbolos, a intelecção, o processo de construção e organização das idéias são exclusividades desses .

Por isso, a semiótica, também é fundamental para a construção sócio-jurídica do direito.



A incidência de regras, princípios e atitudes subjetivas sobre o momento da “concretização” do direito, por ação dos operadores jurídicos (polícia, fiscais, juízes, etc.), há muito está no centro do interesse das correntes antiformalistas e realistas da jurisprudência .



Até podemos visualizar, hoje no mundo globalizado, uma aproximação do nosso modelo de Civil Law com o inglês Commom Law , e vice-versa.



Neste sentido esclarece BUSATO (2011) “as necessidades comerciais e sociais determinaram esta obrigação, acentuando, a cada passo, o conhecimento e aprendizagem mútos. Evidentemente, o direito evolui em consonância com a evolução sociológica e filosófica. Assim foi na renascença, com o individualismo humanista, com o liberalismo e com a noção dos direitos subjetivos. Hoje, quando renasce a tendência de um pensamento cada vez mais universalizado, por força do fenômeno da globalização, a tendência entre os dois sistemas já não é mais de mera aproximação, senão de necessária e crescente interpenetração. Cada vez mais a regra de direito tende a ser admitida no seio da Commom Law e as ideias de equidade e justiça no caso concreto vem inspirando as transformações dos sistemas do Civil Law”



Vê-se que a Política Jurídica, ao menos na esfera criminal, já vem sendo utilizada à larga como elemento catalizador e de aproximação dos dois grandes sistemas jurídicos ocidentais .

A Teoria Comunicacional do Direito , que tem em Gregorio Robles seu maior expoente, procura entender o Direito como um fenômeno de comunicação — e não apenas como uma ordem coativa da conduta humana, um meio de controle social ou um ideal de justiça, com forte relação com a Semiótica Jurídica como exemplo da evolução do Direito e seu novo entendimento que o Direito está em constante mutação.

A utilização de standarts jurídicos no direito penal e processo penal, como em um jogo com regras, mostra que também existe uma Política Jurídica, entendida como linguagem, entra em cena na construção do Direito.



III – Teoria Sociológica do Labeling Approach e sua vertente sociolingüística



A partir da evolução da sociologia jurídica penal, principalmente com a teoria do labeling approach , deslocou o foco do estudo da criminalidade (criminologia tradicional) para dar enfoque na reação social, em relação a comportamentos considerados desviados.



Sabe-se que, com isso, passou-se a entender a reação social, não apenas como um dispositivo do direito, senão como produto social de contatos e relações (interações) entre os indivíduos de uma determinada sociedade e os significados que nos rodeiam.



Assim, para autores como EDWARD A. ROSS (1886-1951) , os meios de controle social não estão somente representado pela norma, mas são encarados como “uma questão da sociedade” representada pela opinião pública, pela educação, pelos meios de comunicação em massa, pela religião, pela política, etc. sendo enfim, uma decisão política.



A sociedade – ou seja, a realidade social, é composta por uma infinidade de interações concretas entre indivíduos, aos quais num processo de tipificação confere um significado que se afasta das situações concretas e continuam a estender-se através da linguagem (BARATTA, 2002, pág. 87).



Os processos de criminalização podem ser entendidos como um processo de definição e atribuição de um status de criminoso, que, sem dúvida, gera estigmatização.



O modo de operar da polícia tem papel preponderante no interior dos mecanismos que conduzem à distribuição dos status criminais e fica óbvio à sua concentração em determinados grupos particularmente “desfavorecidos” (TURK, 1972).



No entanto, há um conflito nesse jogo de linguagem, uma disputa pelo poder de decisão, entre dominantes e dominados, sujeitos do poder e sujeitos ao poder, autoridades e súditos, que influenciam no modo como é aplicado o direito, que muitas vezes é posto de lado procedimentos legais em favor de uma elite dominante.



A teoria do labeling approach entende a criminalidade como realidade social constituída dentro da interação de pessoas, através de um processo de atribuição e etiquetamento por parte dos que detém o poder de decisão.



Para esta teoria não é possível entender a criminalidade sem o conhecimento da ação do sistema penal em relação a alguns comportamentos. Observar os mecanismos que utiliza o sistema penal, como meio de controle social, começando pelas normas legais até a ação das instâncias oficiais (polícia, órgãos de acusação, juízes, diretores de penitenciárias).



Neste sentido, a teoria do labeling, tem se ocupado principalmente com as reações das instâncias oficiais de controle social, consideradas na sua função constitutiva em face da criminalidade.



Sob este ponto de vista é preocupante o efeito estigmatizante da atividade de polícia, dos órgãos de acusação pública e dos juízes.



A teoria do labeling approach nasceu de duas correntes da sociologia americana.

Inicialmente abeberou-se da psicologia social e da sociolingüística de George H. Mead (1863-1931) no chamado “interacionismo simbólico”, onde considera de suma importância a influência, na interação social, dos significados particulares trazidos pelo indivíduo à interação, assim como os significados bastante particulares que ele obtém a partir dessa interação sob sua interpretação pessoal .



Num segndo momento, o labeling também se abeberou na “etnometodologia”, surgida da sociologia fenomenológica de Alfred Schutz (1899 – 1959) , onde a realidade social é composta de relações reais entre indivíduos num processo de interação que se dá através da linguagem e dos sinais.

Assim nesta teoria, o mundo simbólico só se constroi por meio da interação entre duas ou mais pessoas e, portanto, o simbolismo não é resultado de interação do sujeito consigo ou mesmo de sua interação com um simples objeto, mas uma interação social.



Apesar de termos um sentido individual, a base para todos e quaisquer sentidos que cada um dá às suas próprias ações, é fundada nas interações entre individuo, ou seja, naquilo que o "eu" faz sendo regulado pelo que "nós" construímos socialmente (BARATTA, 2002).



Para Hassemer, labeling approach significa processo de etiquetamento, e tem como tese central a ideia de que “a criminalidade é uma etiqueta, a qual é aplicada pela polícia, pelo Ministério Público e pelo Tribunal Penal, pelas instâncias formais de controle social” .



Ainda: “[...] o labeling approach remete especialmente a dois resultados da reflexão sobre a realização concreta do Direito: o papel do juiz como criador do Direito e o caráter invisível do ‘lado interior do ato’” .



Vemos assim que a ação que interessa é o comportamento ao qual se atribui um sentido ou um significado social, dentro de uma interação. Sendo que esta atribuição de significado “transforma” o comportamento em ação.



Ou seja, são as práticas interpretativas que determinam a interpretação e a aplicação das normas gerais a situações particulares.



Signos estão em nossa mente e não na realidade pré-constituída, revelando que o direito é uma atribuição de significados a determinados comportamentos tidos desviantes.



Na teoria do direito então existe um conjunto de regras gerais de comportamento (regras superficiais) e um conjunto de regras de interpretação e de aplicação das regras gerais (meta-regras).



As meta-regras são recrutadas da estrutura socialmente produzida pela interação dos indivíduos, definida por CICOUREL como “common culture”, ou seja, os significados ligados à cultura que formam a substância dos sentidos de uma situação determinada.

Estes sentidos ou significados são extraídos pela interação social e determinam o “sentido da estrutura social” (CICOUREL, 1970).



Também existe o controle social formal e o informal. COHEN define o controle social formal como as “formas organizadas en que las sociedad responde a comportamientos y a personas que contempla como desviados, problemáticos, preocupantes, amenazantes, molestos o indeseables de una u otra forma”



O controle informal abarcaria as instituições e ações que emanam de segmentos da sociedade que visam conservar uma ordem e regular as relações, pelo que dispõem de sanções de distintos tipos em seu arsenal. Entre os segmentos de controle social informal estariam: a família, a escola, a igreja, os meios de comunicação, o trabalho na empresa, etc .



Daqui resulta que o desvio não tem uma natureza ontológica, não existe independentemente, fora de um processo de reação social, elucida LARRAURI (1992). Esta reação social é o que define um determinado ato desviante. Em conseqüência, o delito não é um fato, mas uma construção social, que requer uma ação e uma reação social. E o delinqüente não é aquele que transgride a lei, mas sim aquele ao qual tenha sido atribuído o rótulo de criminoso.



Pode-se dizer que existem um secund code, não-escrito, que funciona, no processo de imputação de responsabilidade e de atribuição de etiquetas de criminalidade, ao lado do código oficial. Outros dizem sobre a distinção entre normas e metanormas.



Dentro da proposição do alemão SACK (1968, pág. 458), a criminalidade, como realidade social, não é uma entidade pré-constituída em relação às atividades dos juízes, mas uma qualidade atribuída por estes últimos a determinados indivíduos.



Vê-se que SACK reconstrói e modifica a definição de criminalidade como comportamento que viola a lei penal para uma atribuição dada por determinados julgadores a determinadas pessoas.

O autor alemão, recepcionando a teoria do labeling approach, desloca o objeto de pesquisa – do estudo dos fatores da criminalidade, e do criminoso, para o estudo da reação social e o processo de atribuição de significados aos comportamentos pelos detentores do poder de decisão (instâncias oficiais primárias e secundárias).



Finalmente, segundo o autor, a criminalidade não é o comportamento de uma minoria, mas da maioria dos cidadãos e que, além disso, segundo a sua definição sociológica, é um status atribuído a determinados indivíduos por parte daqueles que detêm o poder de criar e de aplicar a lei penal, mediante mecanismos seletivos, sobre cuja estrutura e funcionamento a estratificação e o antagonismo dos grupos sociais têm uma influência fundamental.



Ainda, a teoria do labeling approach, partindo de uma visão crítica do sistema penal e de sua reação frente a comportamentos desviantes, tem o condão de por em dúvida o princípio reitor da pena que é o da prevenção e, em particular, a concepção reeducativa da pena, sendo que, esta justificativa não passa de uma retórica, uma cortina de fumaça que gera conseqüências desastrosas para a sociedade.



O direito penal tem sido usado mais como um discurso simbólico, vez que os resultados mostram que a intervenção penal, especialmente a banalização da prisão provisória, tem gerado, ao invés da reeducação, na maioria dos casos, uma consolidação da identidade desviante do condenado e o seu ingresso em uma verdadeira e própria carreira criminosa.



Clarificando: a teoria do labeling coloca a pesquisa centrada no sistema penal e sua reação como seu ponto de partida. Alguns autores, não se cansam de repetir que, não é o comportamento, por si mesmo, que desencadeia uma reação segundo o qual um sujeito opera a distinção entre “normal” e “desviante”, mas somente a sua interpretação e atribuição, a qual torna este comportamento uma ação provida de um significado criminoso que exige uma defesa social.



O Estado de Direito possui mecanismos e dispositivos de segurança muitos numerosos, e com isso, por volta das vezes, ineficazes, falíveis, manipuláveis, e, no entanto, contornáveis para, em determinadas condições e circunstâncias ser utilizado o direito penal ou não.



Portanto, em determinado sentido, o comportamento muitas vezes é indiferente na medida em que é a interpretação que decide o que é qualificado desviante e o que não é.



Para alguns autores como SUTHERLAND (1940), alguns fatores sociais (prestígio dos autores de infrações, escasso efeito estigmatizante das sanções aplicadas, a ausência de um esteriótipo de criminoso, penas baixas para uma determinada classe) e econômicos (possibilidade de recorrer a advogados de renomado prestígio, exercer pressão sobre os denunciantes, corrupção, etc.) podem ser fatores que contribuem a chamada “cifra negra”, ou quando muito, apenas aplicam simbologicamente o direito penal, com penas não detentivas, penas alternativas, multa, etc. Enfim, punições que não possuem um caráter estigmatizante, estas mais largamente utilizada para pessoas de estratos sociais mais desfavorecidos, que estão mais vulneráveis ao sistema penal e as instâncias oficiais, como a polícia, por exemplo.



Dependendo do “refinamento” que possui o autor do comportamento, este se encontra mais vulnerável ou não à persecutio criminis.



Assim, as instâncias oficiais reagem segundo a qual os membros da sociedade definem um certo comportamento como criminoso e o seu estudo deve, por isso, preceder o exame da reação social diante de um comportamento.



O labeling approach clareou a ideia de que o poder de criminalização e o exercício deste poder estão estreitamente ligados à estratificação e à estrutura antagônica, pluralista, da sociedade. Ou seja, dentro de uma mesma sociedade existem diversas estratificações, onde umas são mais perseguidas pelo sistema penal do que outras.



Para os teóricos do conflito social, por sua vez, coloca o processo de criminalização como um processo no quais grupos poderosos conseguem influir sobre a legislação (criminalização primária), usando as instituições penais como armas para combater e neutralizar comportamentos de grupos contrários.



Porém, tal teoria negligencia por total o momento da criminalização secundária, onde juízes encontram-se diretamente ligados a esse processo de etiquetamento aplicando regras gerais (normas) e regras secundárias (secund code) ou interpretações dotadas de poder, para se chegar ao Direito, de acordo com o que lhes é mais conveniente e socialmente possui mais sentido.



IV - Conclusões



O dinamismo da sociedade não pode ser estancado em pretensões de verdades absolutas e sistemas fechados de imputação, como o positivismo jurídico. Urge a tomada de uma perspectiva aberta, sujeita a permanente evolução, oxigenação, baseada em compreensões sociais pautadas na realidade.



O Direito depende muito da atribuição de sentidos dadas pelas instâncias oficiais, e está muito além de suas normas. É construído e constituído de acordo com as interpretações práticas e o sentido/significado dado pelos seus operadores aos comportamentos postos, tidos desviantes ou não.



Fica claro assim, que é esse processo de atribuição de sentidos e significados ao Direito, tanto pelas instâncias oficiais primárias (legislador) quanto pelas instâncias oficiais secundárias (de aplicação do Direito, promotores, juízes, advogados, etc) é o que determina a reação social frente a um comportamento.



Numa sociedade pluralista, heterogênea, antagônica de valores, onde há dominantes e dominados, sujeito do poder e sujeitos ao poder, onde há um permanente conflito social entre grupos e classes, as autoridades agem criando, interpretando e aplicando coativamente normas e metanormas, para regular “interesses” de grupos dominantes.



Hoje o conflito não é mais aquele conflito marxista entre capital e trabalho assalariado, mas um conflito que versa imediatamente sobre a relação de poder, “sobre a participação no poder ou sobre a exclusão dele” (DAHRENDORF, 1957, pág. 221).



Assim, esse processo de atribuição em nada se confunde com o processo de descrição, pois, embora a norma legal defina a consciência, à vontade e a violação da norma, quem atribui e define o comportamento desviante são as instâncias oficiais que utilizam de sentidos extraídos da sociedade para expressar o Direito, revelando a importância da relação entre Direito e Semiótica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:





BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. Tradução de Juarez Girino dos Santos. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002.



BITTAR, Eduardo Costa Bianca; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2000.



BUSATO, Paulo César. Reflexões sobre o sistema penal do nosso tempo. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2011.



COHEN, Stanley. Visiones del control social. Barcelona, 1988.



CICOUREL, A.V, (1970), The Acquisition of Social Structure. Toward a Developmental sociology, in Understanding Everyday Life, organizado por Douglas J.D, Chicago.

DAHRENDORF F. (1957), Soziale Klassen und Klassenkonflikte in der industriellen Gesellschaft, Stuttgard (trad. Italiana: Classi e conflitto di classe nella societa industriale, Bari, 1977).



DÍEZ, Ripollés. Da sociedade de risco e a segurança do cidadão: um debate desfocado. Revista Eletrônica de Ciência Penal e Criminologia, 2005.



GARCÍA, Gérman Silva. Criminologia: Teoria sociológica del delito. Instituto Latinoamericano de Altos Estúdios – ILAE-, 2011.



HASSEMER, Winfried. Introdução aos fundamentos do Direito Penal. Tradução de Pablo Rodrigo Aflen da Silva. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2005.



LARRAURI, Elena. La herencia de a criminología crítica. Madrid: Siglo Veintiuno de España Editores, 1992.



MEAD, George Herbert, Mind Self and Society from the Standpoint of a Social Behaviorist (Edited by Charles W. Morris). Chicago: University of Chicago, 1934.



SACK, F. (1968). Neue Perspektiven in der Kriminologie, in Kriminalsoziologie, organizado por Koing R., Sack F., Frankfurt a.M.



TEDESCO, Ignacio. El acusado en ritual judicial: ficción e imagen cultural. 1ª ed. – Cuidad Autónoma de Buenos Aires: Del Puerto, 2007.



TURK, A. Criminality and Legal Order, 3a. ed. Chicago.







quarta-feira, 28 de novembro de 2012

ALGUNS DESAFIOS DOS DIREITOS HUMANOS NO MUNDO GLOBALIZADO

Augustus Bilac Marinho

Leonardo Lobo de Andrade Vianna

Italo de lima Machado







RESUMO: O grande desafio do século XXI não é mais a proclamação ou promulgação de cartas de liberdades e convenções internacionais, mas na efetivação de ditos direitos, principalmente no plano social, econômico e cultural. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, pós-guerra, introjeta um sistema de proteção inter¬nacional de direitos humanos, de viés universal e indivisível, que inova o Direito contemporâneo internacional no que tange a proteção do “mínimo ético irredutível” numa globalização ética e solidária. Mas há muitos obstáculos e desafios para a efetivação dos direitos humanos, ligados na existência ou não de um mínimo ético irredutível, universal. Desafios ligados a laicidade estatal e o fundamentalismo religioso, tolerância em relação aos grupos minoritários, crise no plano econômico e a efetivação dos direitos humanos, enfim, uma série de desafios que somente são lançados neste trabalho sem qualquer intenção de esgotar o tema – até porque é uma tarefa hercúlea que não se propôs aqui tal feito. O diálogo e a permeabilidade das interações internacionais são essenciais para chegar a um caminho mais pacífico, harmonizado e feliz, para cada pessoa humana em cada região do globo.



PALAVRAS-CHAVES: Direitos Humanos. Tratados internacionais. Globalização. Desafios para os Direitos Humanos.





1. Introdução ao problema

O Direito é um ente mutável, que está em constante evolução. O Direito é um produto dos homens, mudando de acordo com determinados contextos históricos e culturais. É um produto cultural e histórico.

Se analisarmos os Preâmbulos dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos das Nações Unidas (1966\76) chama a atenção à forma empolgante com que se proclamam os Direitos Humanos como pressupostos básicos dos direitos da pessoa, como plataforma básica para a efetivação dos Direitos Humanos!

O conjunto de direitos civis e políticos não podem ser exercidos se não em harmonia com os direitos econômicos, sociais e culturais. Um depende do outro para sua concretização. Assim, uma pessoa que não come regularmente, que não têm assistência médica, água encanada, remuneração adequada, dificilmente poderá exercer seus direitos civis e políticos.

Enfim, é imprescindível verificarmos o problema da desigualdade em relação a tais direitos. Parece haver uma dificuldade muito grande na concretização dos direitos sociais.

Os Tratados Internacionais estabelecem um conjunto de direitos civis e políticos, com mecanismos de controle e remédios para garantir tais direitos, mas para os de conteúdo econômico, social e cultural somente há previsão de tais direitos no aspecto meramente formal, ou seja, não há muita abertura para perseguir estes direitos.

Vê-se que aqui há um problema estrutural, que nem mesmo o Direito fornece critérios específicos para compreendermos com mais clareza os conteúdos e extensão dos direitos humanos sociais.

Põe-se em dúvida, pelos expertos, até a viabilidade de reclamar destes direitos, na via jurisdicional nacional, regional ou internacional.

Dá-se uma preferência, pelos científicos do Direito, aos denominados direitos fundamentais, como se pudéssemos mensurar se morrer de fome é melhor que morrer de repressão política.

Dizendo de outro modo, há uma dificuldade de justicialidade ou acesso judicial dos direitos econômicos, sociais e culturais, enquanto que os direitos civis e políticos possuem maior facilidade de se obter.

É muito difícil dimensionarmos qual o conteúdo, por exemplo, do direito à segurança, posto que sugere diversas interpretações imagináveis chegando a ser um direito utópico e, portanto, inalcançável para alguns.

Mas não podemos esquecer-nos da fórmula kantiana, com a ideia de que a dignidade da pessoa humana consistiria na afirmação do ser humano como fim em si mesmo, tornando proibida a sua degradação em simples objeto de outrem.

De outra sorte, os direitos humanos devem ser compreendidos em sua amplitude social, que não resida somente na pessoa, mas inclusive na interação entre as pessoas.

Em países que se dizem democráticos, o fundamento antropológico básico para toda sociedade deveria ser o reconhecimento da dignidade da pessoa humana.

Ou seja, reconhecer-se que a pessoa humana é titular de direitos, e não instrumento de dominação, de poder é um ponto de partida para os direitos humanos. Reconhecer que o ser humano como um ser essencialmente moral, dotado de unicidade existencial, que possui como característica intrínseca a dignidade como qualidade inerente é um dos fundamentos do universalismo dos direitos humanos.

Diante da globalização, do avanço de uma visão cada vez mais integral dos direitos, os países têm criados instrumentos internacionais para a internacionalização dos direitos humanos.

Ressalta-se, porém, que a aproximação legislativa não é unificação legislativa, posto que cada Estado-membro possui sua soberania, mas uma harmonização no sentido de aproximar a legislação dos países-membros da União Europeia, para facilitar a consecução de objetivos comuns.

Sabe-se que um grupo como o da União Europeia reúne regras mínimas, que os Estados devem respeitar, mas são livres para ir, além disso. Por exemplo, exigir mais elementos na definição do tipo legal, no âmbito da proteção da norma, ou ampliar a incidência dos crimes. Ou seja, há um consenso, mas não há uma obrigatoriedade, respeitando-se a soberania de todos os Pais integrante.

Convém assinalar, demonstrando ser irremovível a ideia da globalização mundial e regional, em 2012, a União Europeia foi laureada com o Nobel da Paz, entregue pelo Comité Nobel norueguês "por mais de seis décadas contribuindo para o avanço da paz e da reconciliação, democracia e direitos humanos na Europa".

No anúncio do prémio, o Comité referiu que “o terrível sofrimento sofrido durante a Segunda Guerra Mundial provou a necessidade de uma nova Europa. (...) Hoje, uma guerra entre a França e a Alemanha é impensável. Isto mostra que, através da boa vontade e construção de confiança mútua, inimigos históricos podem transformar-se em aliados.”

O método usado pela União Europeia, por exemplo, é o de harmonização legislativa, uma tentativa de aproximação penal, civil, constitucional, uma aproximação dos órgãos de fiscalização, etc. Fala-se até em uma espécie de código penal europeu nos crimes econômicos.

Mas no âmbito dos Direitos Humanos, o documento mais importante foi, sem dúvida, a Declaração dos Direitos Humanos de 1948, onde, após a Segunda Guerra mundial se começa a estabelecer bases sólidas para criação de um sistema de proteção principalmente aos direitos sociais, econômicos e culturais.



2. Os Direitos Humanos e a Declaração dos Direitos Humanos

O século XVIII foi proficiente no reconhecimento de direitos pertencentes a todos os homens, erigindo como único fundamento o fato de pertencerem estes ao gênero humano. É a partir daí que começa a ser firmada uma melhor compreensão da essência do homem baseada em princípios que vão necessariamente compor os discursos de ordem política, filosófica, social e jurídica.

Principalmente os direitos humanos, é fruto de muitas reivindicações sociais, morais, podendo mudar de perspectiva rumo de cor de acordo com o clima político e social, através de reivindicações, anseios, e muitas vezes com muito sangue derramado.

Os direitos humanos alojados nos textos constitucionais e nas convenções internacionais devem servir como efetivas linhas de ação para o emprego da força estatal, configurando ou reforçando, segundo os casos, os caminhos pelos quais cada um dos cidadãos que compõe a sociedade possa eleger e decidir livre, individual, grupal ou coletivamente, e em igualdade de oportunidades da orientação dos planos de sua vida .

Os Direitos Humanos são assim manifestações de vontades, construídas pelas sociedades, em um constante processo de construção e reconstrução desses direitos.

Não é crível compreender os direitos humanos sem relacioná-los a história precedida, pois os mesmos não surgem como uma revelação, algo que caí do céu, mas como descoberta repentina de uma determinada sociedade, de um grupo ou de indivíduos. Surgem principalmente das lutas contra o poder.

Nesse sentido Norberto Bobbio leciona que:





Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.





O século XVIII foi tempo de grandes transformações desde a Revolução Industrial à Revolução Francesa de 1789, onde a liberdade foi à grande bandeira erigida para o discurso liberalista e burguês contra o absolutismo da época. A Revolução Francesa é considerada como o acontecimento que deu início à Idade Contemporânea. Aboliu a servidão e os direitos feudais e proclamou os princípios universais de "Liberdade, Igualdade e Fraternidade" (Liberté, Egalité, Fraternité), frase de autoria de Jean-Jacques Rousseau.

Assim como a Declaração Americana dos Direitos do Homem de 1776, consagravam o ideal liberal, da qual os Direitos Humanos se reduziam em liberdade, igualdade, propriedade e segurança.

Importantes transformações também ocorreram após a Primeira Guerra Mundial, com o avanço nos direitos sociais, economicos e culturais, indo além dos direitos inicialmente conquistados no plano político e civil, como as Constituições sociais do início do século XX.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 veio após a Segunda Guerra Mundial com o intituito de reconstruir os cacos deixados pela barbárie e atrocidades cometido pelos nazistas, fascistas, enfim, pelo totalitarismo dos Estados Absolutista. A Declaração veio deixar sua marca na luta contra o pode ilimitado e déspota que chegou as rais de olhar os homens como descartáveis...

A importância da Declaração Universal dos Direitos do Homem, datada de 10 de dezembro de 1948, quando aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, neste momento destacou-se a internacionalização dos direitos humanos, fixando-se agora em um contexto internacional os direitos fundamentais, o que naturalmente ensejaria uma maior prevalência destes no contexto do ordenamento jurídico interno.

A Declaração de 1948 introjeta um sistema de proteção internacional de diversos direitos, com a característica da universalidade e indivisibilidade. Inova neste particular.

A partir daí, os direitos fundamentais, passaram a ganhar relevo, tanto na esfera internacional, quanto no ordenamento jurídico interno de cada Estado.

Por certo o caminho é longo, às apalpadelas, mas o momento é de desafio dos problemas que enfrentamos quando queremos efetivar, por em prática, concretizar os direitos sociais, econômicos e culturais.

Para nós, o grande desafio do século XXI não é mais a proclamação ou promulgação de cartas de liberdades e convenções internacionais, mas na efetivação de ditos direitos, principalmente no plano social, econômico e cultural.

Desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, pós-guerra, é introduzido um sistema de proteção inter¬nacional de direitos humanos, de viés universal e indivisível, que inova o Direito contemporâneo internacional no que tange a proteção do “mínimo ético irredutível” numa globalização ética e solidária.

Ocorre, que conforme vamos passar a explorar, esse mínimo ético nem sempre é aceito por alguns países, sendo que a dificuldade de aceitação é muito grande. São inúmeros problemas que o cenário internacional ainda tem para resolver, sempre com o auxilio do diálogo, da permeabilidade, de uma nova - ou nem tão nova - visão de mundo globalizado, buscando sempre efetivar especialmente os direitos mais básicos e elementares para a felicidade de cada ser humano, em cada região do globo.



2. Alguns Desafios dos Direitos Humanos

Direitos humanos não nascem de simples revelação, são construídos como processos que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade humana.

Abaixo alguns desafios (ou obstáculos) para a efetividade dos direitos humanos:

a) Universalismo x relativismo cultural:

O maior problema entre os universalistas e os relativistas é a seguinte indagação: As normas de direitos humanos devem possuir um sen¬tido universal ou são culturalmente relativos?

Para aos partidários do universalismo a dignidade humana é a viga mestra dos direitos humanos. Acreditam que há um “mínimo ético irredutível” existente universalmente e que deve ser respeitado por todo o mundo.

Já os relativistas asseveram que cada cultura possui seu próprio contexto histórico, regional, cultural, onde não há um mínimo ético universal, pois existem culturas diversas e cada sociedade cria seu próprio mundo cultural.

Os maiores problemas são quando os Direitos Humanos são violados e o Estado utiliza do discurso do relativismo cultural, para justificar atrocidades e violações aos Direitos Humanos, como a nosso ver: as touradas na Espanha , a punição brutal do homossexualismo nos países árabes , a circuncisão do órgão sexual feminino na África , o homicídio de recém-nascidos no Brasil cometidos pelos índios em relação a gêmeos e deficientes (art. 57 do Estatuto do Índio do Brasil), o casamento arranjado de crianças em tenra idade com homens mais velhos no Iemen.

Daí surge problemas das mais variadas ordem contra os direitos humanos, como se vê da seguinte notícia:



• Uma menina iemenita morreu de ferimentos internos, quatro dias após um casamento arranjado por sua família com um homem quase o dobro da idade dela, revelou um grupo de direitos humanos .





A cultura hermética é um grande problema na luta para a universalização dos direitos humanos.

É preciso superar o debate sobre o universalismo e relativismo cultural, para dar ensejo ao diálogo intercultural. Um entrecruzamento e não uma mera superposição de propostas. Uma confluência de ideias e não uma imposição de decisões.

Uma releitura de alguns textos seria necessária à luz dos Direitos Humanos. Mas o diálogo e a permeabilidade seriam a melhor ferramenta para construir uma solução pacífica e respeitosa ao mesmo da soberania e ao mesmo tempo dos Direitos Humanos.

Ocorre, contudo, que há países que não admitem sequer o diálogo, a interação cultural, justificando muitas vezes atos brutais e desumanos em nome do relativismo cultural.

b) Laicidade estatal x fundamentalismos religiosos:

Outro desafio é o problema da laicidade estatal adotado por aqueles países cujo exercício dos direitos humanos, principalmente no plano sexual e de reprodução ficam livres aos cidadãos. Estado não se confunde com religião e seus dogmas.

O Estado existe para proporcionar o maior numero de benefícios aos cidadãos e não impor uma religião como verdade absoluta.

Porém, um grande desafio para os direitos humanos é que muitos países que levam ao pé da letra sua fé (por isso o termo fundamentalismo), religião e crenças. Assim nos países teocráticos, árabes, por exemplo, pode ser punido com a pena de morte, um muçulmano que renegue sua fé ou blasfeme contra Alá ou Maomé.

Os fundamentalistas são os que seguem a interpretação rígida da Sharia, levada ao extremo pelos clérigos muçulmanos chamados fanáticos.

No Estado laico, marcado pela separação entre Estado e religião, todas as religiões mereçam igual consideração e profundo respeito, inexistindo, contudo, qualquer religião oficial, que se transforme na única concepção estatal, a abolir a dinâmica de uma sociedade aberta, livre, diversa e plural. Há o dever do Estado em garantir as condições de igual liberdade religiosa e moral, em um contexto desafiador em que, se de um lado o Estado contemporâneo busca separar-se da religião, esta, por sua vez, busca adentrar nos domínios do Estado (ex: bancadas religiosas no Legislativo) .

A intolerância religiosa é um grande desafio para os direitos humanos, mas fortalecer e defender cada vez mais a laicidade estatal é um dos pressupostos para a paz.

Recentemente, durante a realização do Sínodo da Igreja europeia, ficou evidente a discordância entre os pareceres dos bispos católicos em relação ao islamismo, suscitando discussões e polêmicas que ultrapassam a análise teórica.

A presença muçulmana no Ocidente é um fato confirmado por números bem expressivos: mais de dez milhões nos países europeus e seis milhões nos Estados Unidos. Com seus costumes e práticas, às vezes bem diferentes e em oposição às normas e leis dos países que os acolhem, os muçulmanos colocam um questionamento que nos dá oportunidade de rever um pouco esta religião que se tornou a primeira no mundo, superando o catolicismo; ficaria em segundo lugar, se somássemos todas as denominações cristãs.

Diante do rápido avanço do islã, nos últimos anos, há quem levante perguntas com sérias implicações: será que existe uma estratégia, planejada e financiada pelos petrodólares para ocupar a Europa ou para adquirir nela espaços importantes, em vista de uma islamização do continente? Como se comportar diante desse fenômeno e das manifestações fundamentalistas que têm assustado o mundo por sua violência e espírito reacionário? Deve-se renunciar ao diálogo com essa religião que, no pensamento de muitos, está assumindo o papel que, até poucos anos atrás, era do comunismo russo, isto é, do inimigo comum do Ocidente?

Se de um lado há desconfiança, de outro, pergunta-se se não se trata apenas de imigrantes em busca de uma vida melhor nos países ricos do Ocidente e que se fecham em suas comunidades, defendendo sua cultura, a fim de não perder sua identidade muçulmana?

Há quem sustente ainda que seja compreensível o choque cultural entre dois mundos opostos: um, o ocidental que instaurou a secularização e que pretende libertar-se totalmente de qualquer vínculo religioso, e outro, o islâmico, que, inspirada numa teocracia onde Deus é tudo na vida pública e privada, busca preservar valores de identificação étnica e cultural.

c) direito ao desenvolvimento x assimetrias globais:

Outro desafio para os direitos humanos são as desigualdade de desenvolvimento.

No mundo 85% da riqueza do mundo estão nas mãos de apenas 15% das pessoas do mundo.

O Brasil é o país mais desigual do mundo, onde a riqueza polariza nas mãos de poucos, e uma grande parte da população vive abaixo da linha da pobreza.

Enfim, a chamada desigualdade social, na sociedade contemporânea, é um fenômeno que ocorre em quase todos os países do globo, guardadas suas proporções e dimensões, e é desencadeado, principalmente, entre outros motivos, pela má distribuição de renda em uma população, onde se concentra a maioria dos recursos nas mãos de uma minoria abastada da sociedade e, conseqüentemente, o melhor e maior acesso a subsídios econômicos, educacionais, de saúde e segurança, etc.

Para a festejada Professora Doutora Flávia Piovesan em seu artigo “Declaração Universal de Direitos Humanos, Desafios e Perspectivas”, de 2009, o direito ao desenvolvimento compreende três dimensões:

a) a proteção às necessidades básicas de justiça social, enunciando a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento que: “A pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento e deve ser ativa participante e beneficiária do direito ao desenvolvimento”;

b) a importância da participação, com realce ao componente democrático a orientar a formulação de políticas públicas. A sociedade civil clama por maior transparência, democratização e accountability na gestão do orçamento público e na construção e implementação de políticas públicas; e

c) a necessidade de adoção de programas e políticas nacionais, como de cooperação internacional – já que a efetiva cooperação internacional é essencial para prover aos países em desenvolvimento meios que encorajem o direito ao desenvolvimento. A respeito, adiciona o artigo 4o da Declaração que os Estados têm o dever de adotar medidas, individualmente ou coletivamente, voltadas a formular políticas de desenvolvimento internacional, com vistas a facilitar a plena realização de direitos, acrescentando que a efetiva cooperação internacional é essencial para prover aos países em desenvolvimento meios que encorajem o direito ao desenvolvimento.

d) respeito à adversidade x tolerância:

Baseado no princípio de dignidade e igualdade inerentes a todos os seres humanos, e que todos os Estados-membros comprometem-se a tornar medidas separadas e conjuntas, em cooperação com a Organização, destinando a consecução de um dos propósitos das Nações Unidas, é que a Carta das Nações Unidas, promove e encoraja o respeito universal e a observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos, sem discriminação de raça, sexo, idioma ou religião.

Ainda, os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e toda pessoa pode invocar todos os direitos estabelecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, sem distinção alguma, e principalmente de raça, cor ou origem nacional.

Outrossim, as Nações Unidas têm condenado o colonialismo e todas as práticas de segregação e discriminação a ele associadas, em qualquer forma e onde quer que existam, e que a Declaração sobre a Outorga da Independência aos Países e Povos Coloniais de 14 de dezembro de 1960 (Resolução 1514 (XV) da Assembleia Geral) afirmou e proclamou solenemente a necessidade de lavá-las a um fim rápido e incondicional.

Para tanto, a Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 20 de dezembro de 1963 (Resolução 1.904 (XVIII) da Assembleia Geral) afirma solenemente a necessidade de eliminar rapidamente a discriminação racial no mundo, em todas as suas formas e manifestações, e de assegurar a compreensão e o respeito à dignidade da pessoa humana.

É cientificamente falsa, a doutrina da superioridade baseada em diferença raciais, moralmente condenável, socialmente injusta e perigosa, e não existe justificação para a discriminação racial, em teoria ou na prática, em lugar algum.

A discriminação entre as pessoas por motivo de raça, cor ou origem étnica é um obstáculo às relações amistosas e pacíficas entre as nações e é capa de perturbar a paz e a segurança entre os povos e a harmonia de pessoas vivendo lado a lado, até dentro de um mesmo Estado.

A existência de barreira racial repugna os ideais de qualquer sociedade humana.

Em evidência em algumas áreas do mundo pelas manifestações de discriminação racial, bem como por políticas governamentais baseadas em superioridade racial ou ódio, como as políticas de apartheid, segregação ou separação.

Criou-se a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, resolvidos a adotar todas as medidas necessárias para eliminar rapidamente a discriminação racial em todas as suas formas e manifestações, e a prevenir e combater doutrinas e práticas racistas e construir uma comunidade internacional livre de todas as formas de segregação racial e discriminação racial.

Tendo ainda, a Convenção sobre a Discriminação no Emprego e Ocupação, adotada pela Organização Internacional do Trabalho de 1958, e a Convenção contra a Discriminação no Ensino, adotada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, em 1960.

Foi criada a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, com o desejo de completar os princípios estabelecidos na Declaração das Nações Unidas sobre a eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e assegurar o mais cedo possível a adoção de medidas práticas para esse fim.

Constantes ações de Indenização por racismo são de imenso clamor no Poder Judiciário Brasileiro; sabendo-se do imensurável poder existente neste novo artifício que criou-se expectativa de respeito a dignidade humana, destinando harmonia social; as pessoas negras, sempre exige da sociedade o seu valor natural de ser humano.

Interessante é que “uma pessoa negra que é ofendida” ou com palavras, gestos, ou de qualquer natureza abusiva, ofensiva racial, globaliza todos, ou seja, quando alguém é ofendido em público, causa um constrangimento levando-se a ofensa a todos que tem a mesma cor, estendendo-se ao povo negro de comunidades existentes.

Eis um artigo da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, abaixo, que menciona o individualismo; quando ocorre um fato, naturalmente outra ocorrência poderá gerar um novo processo, sendo evidente, mas quando é aludido cria-se a força que já existe, a seguir:





Artigo 16 – As disposições desta Convenção, relativas à solução das controvérsias ou queixas, serão aplicadas sem prejuízos de outros processos para a solução de controvérsias e queixas no campo da discriminação, previstos nos instrumentos constitutivos das Nações Unidas e suas agências especializada, e não excluirão a possibilidade dos Estados-partes recorrerem a outros procedimentos para a solução de uma controvérsia, de conformidade com os acordos internacionais ou especiais que os legarem.





Assim, esta iniciativa com valor que abre o direito de prevalecer harmonia social, gera dúvidas quanto a vários seguimentos, mas, o importante é que foi criada, a existência está lançada e o respeito deverá sempre ser autêntico e tudo que ocorrer em desarmonia como certo, lança-se uma explosão tornando-se grande algo que era pequeno, causando uma riqueza esplêndida aos que eram dignos de lástimas; enobrece o que seria pobre; ficando-se opulento deixando o que inspira compaixão na visão dos racistas.

Outro grave dilema moral são as cotas sociais e raciais.

Importante registrar, de início, que a legitimidade e constitucionalidade da implantação de cotas sociais e raciais em instituições de ensino já foram reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal, nos recentes julgamentos da ADPF 186, referente ao regime de cotas raciais da UNB, e do RE 597.285, atinente às cotas sociais da UFRGS, ambos os acórdãos ainda pendentes de publicação.

Como se sabe, os direitos fundamentais, que, antes, buscavam proteger reivindicações comuns a todos os homens, passaram a, igualmente, proteger seres humanos que se singularizam pela influência de certas situações específicas em que apanhados.

Alguns indivíduos, por conta de certas peculiaridades, tornaram-se merecedores de atenção especial, exigida por reverência ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Como acentuam Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, em seu Curso de Direito Constitucional, desde que deixaram de ser apenas teorias filosóficas e passaram a ser positivados por legisladores, ficou superada a fase em que coincidiam com meras reivindicações políticas ou éticas.

Muitos direitos humanos ganharam concretude e assumiram uma irreversível tendência de especificação. Importante que se perceba, nessa linha de raciocínio, que a instituição de cotas nas universidades consubstancia um importante marco evolutivo dos direitos fundamentais.

Mas a questão está longe de se exaurir em um consenso. Há muitas pessoas que são contra as cotas sociais e raciais.

Cremos que cotas raciais não possuem mais razão, devido à ruptura de paradigmas, que o mundo vem vivendo, como, por exemplo, a posse do presidente Obama. Já as cotas sociais, com viés econômico, por renda, (separa-se cotas para os mais pobres, os miseráveis) cremos que há certa razoabilidade em admitir-se tais cotas.

A lei brasileira reserva, como visto, 50% das vagas nas instituições federais aos estudantes que tiverem cursado o ensino médio em escolas públicas, em um nítido propósito de atenuar o quadro de desigualdade em que os estudantes da rede de ensino público, normalmente pobres, não disputam as vagas dos principais cursos universitários em igualdade de condições com aqueles oriundos da rede privada.

Infelizmente, o sistema educacional brasileiro ainda é bastante perverso. Aquelas crianças que passaram a vida estudando em escolas públicas precárias não poderão estudar em universidades públicas de excelência.

É evidente que o sistema de cotas não soluciona um problema estrutural da educação brasileira. Nem é esta sua intenção. A melhoria do ensino público, incentivos financeiros para que crianças de baixa renda permaneçam na escola, e todo tipo de mecanismo que promova a equiparação de oportunidades desde o início da educação básica são indispensáveis.

Mas é necessário também priorizar a inserção de uma geração de indivíduos marginalizados para que se inicie, efetivamente, um processo de mudança de paradigmas, equiparação de oportunidades e inserção social, verdadeiros objetivos do sistema de cotas.

Finalmente, evidente que existem diversos e inúmeros outros problema e desafios para a efetivação dos direitos humanos, mas que não cabe aqui neste pequeno espaço a pretensão de exauri-los.



4. Conclusão

Concluímos, que o grande desafio deste séc. XXI está na efetivação dos direitos humanos, fruto de muitas lutas e revolução, especialmente quanto aos direitos fundamentais sociais, econômicos e culturais, cujo conteúdo e extensão, bem como a falta de critérios e estrutura para alcançar tais direitos são obstáculos que dificultam sua efetivação no globo.

Ainda, como visto, existem muitos desafios relacionados com a efetivação dos direitos humanos, particularmente problemas culturais de alguns povos. Como o Direito é uma construção constante, surgem novos direitos humanos, essenciais à pessoa humana.

Vários direitos desconsiderados no passado, hoje é objeto de ampla proteção estatal, tais como a questão da proteção ao meio ambiente, do livre desenvolvimento da personalidade e diversos outros que vão nascendo conforme o caminhar da civilização humana mais feliz e mais saudável.





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



ALEXY, Robert. Teoria de Los Derechos Fundamentales. 3. Reimpressão. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002.



ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1998.



ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Nova Cultural, 2004.



BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 1 ed. 12. tir. Rio de Janeiro: Campus, 1992.



BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11 ed. São Paulo: Malheiros, 2001.



COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2003.



CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre Direitos Fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2004.



FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1998.



PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Direito Constitucional Internacional. 13ª ed. rev. atualizada, São Paulo: Editora Saraiva, 2012.



SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 5ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.



ARTIGOS UTILIZADOS:



PIOVESAN, Flávia. Declaração Universal de Direitos Humanos, Desafios e Perspectivas. 2009.

http://www.circulodoxa.org/documentos/Ferreyra,%202010.%20(II).pdf. (Acesso em 25 de outubro de 2012).





sexta-feira, 1 de junho de 2012

GRAVIDADE ABSTRATA DO CRIME, REINCIDÊNCIA E PRISÃO PREVENTIVA NA VISÃO DO STJ - DIREITO POR QUEM FAZ

Superior Tribunal de Justiça


Revista Eletrônica de Jurisprudência

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HABEAS CORPUS Nº 149.922 - PR (2009⁄0196322-1)



RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

IMPETRANTE : LEONARDO LOBO DE ANDRADE VIANNA

IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ

PACIENTE : OSVANIL APARECIDO PELEGRINI (PRESO)



EMENTA



PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. CRIME CONTINUADO. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA OBTIDA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DECRETADA. GRAVIDADE ABSTRATA DO CRIME. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA. OCORRÊNCIA. FALTA DE INDICAÇÃO DE ELEMENTOS CONCRETOS A JUSTIFICAR A MEDIDA. ORDEM CONCEDIDA.

1. A prisão processual deve ser configurada no caso de situações extremas, em meio a dados sopesados da experiência concreta, porquanto o instrumento posto a cargo da jurisdição reclama, antes de tudo, o respeito à liberdade. In casu, prisão provisória que não se justifica ante a fundamentação inidônea.

2. Ordem concedida a fim de que o paciente possa aguardar em liberdade o trânsito em julgado da ação penal, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de que o Juízo a quo, de maneira fundamentada, examine se é caso de aplicar uma das medidas cautelares implementadas pela Lei n.º 12.403⁄11, ressalvada, inclusive, a possibilidade de decretação de nova prisão, caso demonstrada sua necessidade.



ACÓRDÃO



Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, concedeu a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora." O Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior e a Sra. Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora convocada do TJ⁄PE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Og Fernandes.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior.



Brasília, 17 de maio de 2012(Data do Julgamento)





Ministra Maria Thereza de Assis Moura

Relatora







HABEAS CORPUS Nº 149.922 - PR (2009⁄0196322-1)



RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

IMPETRANTE : LEONARDO LOBO DE ANDRADE VIANNA

IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ

PACIENTE : OSVANIL APARECIDO PELEGRINI (PRESO)





RELATÓRIO



MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (relatora):



Cuida-se de habeas corpus, substitutivo de recurso ordinário, com pedido liminar, em favor de OSVANIL APARECIDO PELEGRINI, apontando-se como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (HC n.º 579.577-3).

Consta dos autos que o paciente foi preso em flagrante, em 30.12.2006, sendo-lhe concedida a liberdade provisória por este Superior Tribunal, no HC n.º 86.027⁄PR.

Ao final da instrução criminal, o acusado foi condenado, em 9.1.2008, à pena total de 9 (nove) anos, 2 (dois) meses e 7 (sete) dias de reclusão, no regime inicial fechado, mais 22 (vinte e dois) dias-multa, pela infração ao disposto no artigo 157, § 2.º, I e II, por quatro vezes, c.c. o artigo 71, ambos do Código Penal. Foi-lhe, ainda, decretada a prisão provisória.

Irresignada, a defesa ajuizou prévio writ, mas a ordem foi denegada. Eis a ementa do julgado (fl. 124):



"Habeas Corpus. Sentença condenatória que determina o recolhimento à prisão para recorrer. Réu reincidente. Fundamentação suficiente, nos termos do artigo 594, do Código de Processo Penal, vigente à época. Sentença proferida antes da revogação do dispositivo (Lei 11.719⁄2008). Manutenção. Ordem denegada.

Não é possível conceder o benefício do apelo em liberdade à paciente reincidente e portadora de maus antecedentes, circunstâncias categoricamente reconhecidas na sentença penal condenatória, não obstante, tenha respondido ao processo em liberdade, a teor do disposto no art. 594, do Código de Processo Penal. Precedentes do STF e do STJ. RHC 15759 ⁄ SP. Ministra LAURITA VAZ. QUINTA TURMA. 17⁄08⁄2004."



No presente writ, alega o impetrante que o juízo de primeiro grau decretou a prisão cautelar do paciente com fundamento no artigo 594 do Código de Processo Penal, o qual não foi recepcionado pela Constituição Federal.

Destaca que não se demonstrou a necessidade da custódia, a partir de elementos concretos extraídos dos autos.

Aduz que a gravidade do delito não pode ser invocada para a decretação ou manutenção da prisão preventiva.

Sustenta, em síntese, a falta de fundamentação idônea do decisum.

Cita precedentes desta Corte para corroborar sua tese.

Salienta que a decretação da segregação cautelar do paciente está impedindo sua progressão de regime em outro processo.

Requer, liminarmente e no mérito, a revogação da custódia cautelar do paciente, decretada nos autos da Ação Penal n.º 2007.0000116-9, em trâmite perante o Juízo da 3.ª Vara Criminal da Comarca de Londrina⁄PR.

Inicialmente, o mandamus foi distribuído ao Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, que suscitou a prevenção à fl. 159, a qual foi aceita (fl. 161), ocorrendo a redistribuição do feito à minha relatoria.

O pedido liminar foi, então, deferido (fls. 170⁄172) a fim de assegurar ao paciente o direito de recorrer em liberdade até a apreciação definitiva deste writ pela turma julgadora ou o trânsito em julgado da condenação, sob a ressalva de lhe ser decretada nova prisão caso demonstrada a necessidade. Foram, ainda, solicitadas informações à autoridade apontada como coatora, as quais foram prestadas às fls. 179⁄189 e ao Juízo de origem, acostadas às fls. 191⁄201.

Com vista dos autos, o Ministério Público Federal opinou, em parecer da lavra da Subprocuradora-Geral Helenita Caiado de Acioli (fls. 204⁄209), pela denegação da ordem.

Foi proferido despacho à fl. 214 solicitando informações complementares ao Colegiado estadual, acostadas às fls. 218⁄244 e 247⁄248.

Novo despacho foi prolatado (fl. 250) solicitando notícias ao Juízo de primeiro grau, juntadas fls. 254, 256⁄259 e 262⁄264.

Informações colhidas no sítio do Tribunal de origem dão conta de que o apelo defensivo ainda não foi julgado.

É o relatório.









HABEAS CORPUS Nº 149.922 - PR (2009⁄0196322-1)



EMENTA



PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. CRIME CONTINUADO. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA OBTIDA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DECRETADA. GRAVIDADE ABSTRATA DO CRIME. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA. OCORRÊNCIA. FALTA DE INDICAÇÃO DE ELEMENTOS CONCRETOS A JUSTIFICAR A MEDIDA. ORDEM CONCEDIDA.

1. A prisão processual deve ser configurada no caso de situações extremas, em meio a dados sopesados da experiência concreta, porquanto o instrumento posto a cargo da jurisdição reclama, antes de tudo, o respeito à liberdade. In casu, prisão provisória que não se justifica ante a fundamentação inidônea.

2. Ordem concedida a fim de que o paciente possa aguardar em liberdade o trânsito em julgado da ação penal, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de que o Juízo a quo, de maneira fundamentada, examine se é caso de aplicar uma das medidas cautelares implementadas pela Lei n.º 12.403⁄11, ressalvada, inclusive, a possibilidade de decretação de nova prisão, caso demonstrada sua necessidade.











VOTO



MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (relatora):



De início, cumpre ressaltar que estes autos foram a mim distribuídos por prevenção ao HC n.º 86.027⁄PR, impetrado também em favor do ora paciente, no qual a liberdade provisória foi-lhe concedida, por acórdão proferido pela Egrégia Sexta Turma desta Corte, em 12.8.2008. Eis a ementa do julgado:



"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO. 1. PRISÃO EM FLAGRANTE. PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. DECISÃO QUE NÃO ANALISA A NECESSIDADE DA MANUTENÇÃO DA CUSTÓDIA E A POSSIBILIDADE DE LIBERDADE PROVISÓRIA. ANÁLISE APENAS DA LEGALIDADE DA PRISÃO EM FLAGRANTE. NULIDADE. OCORRÊNCIA. MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS. NECESSIDADE. 2. ORDEM CONCEDIDA.

1. Não basta ao juiz fazer a simples análise da legalidade da prisão, cingindo-se a verificar o preenchimento das formalidades legais, especialmente quando é provocado por petição da defesa requerendo a liberdade provisória do preso, devendo, quando da comunicação da prisão em flagrante, justificar a manutenção da prisão, especificando os motivos que o levaram a entender incabível a liberdade provisória na espécie.

2. Ordem concedida para deferir a liberdade provisória ao paciente, mediante o compromisso de comparecimento a todos os atos do processo, expedindo-se alvará de soltura se por outro motivo não estiver preso."



Interposto pedido de extensão em favor dos corréus, o pleito restou indeferido nos termos desta ementa:



"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PEDIDO DE EXTENSÃO. 1. ORDEM CONCEDIDA A CO-RÉU. RECONHECIMENTO DA ILEGALIDADE DE DECISÃO QUE MANTEVE A PRISÃO EM FLAGRANTE. SITUAÇÕES DISTINTAS. 2. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA QUE NEGOU O APELO EM LIBERDADE SOB NOVOS FUNDAMENTOS. NOVO TÍTULO PARA A PRISÃO DE TODOS OS RÉUS. EXTENSÃO. IMPOSSIBILIDADE. 3. PEDIDO INDEFERIDO.

1. Tendo a ordem reconhecido a ilegalidade dos fundamentos utilizados em decisão que manteve a prisão em flagrante do paciente, não é possível a extensão aos requerentes se não houve pedido de liberdade provisória por parte destes.

2. Com a superveniência de sentença condenatória, na qual foi negado o direito de apelar em liberdade a todos os réus, inclusive o paciente, sob novos fundamentos, não subsiste a identidade de situações que poderia ensejar a extensão da ordem.

3. Pedido indeferido."



Passa-se, então, à análise da matéria posta na presente impetração.

A questão trazida a deslinde abarca o exame acerca da fundamentação empregada no encarceramento cautelar do paciente. Nesse âmbito, eis o dito pelo Juízo de origem, ao decretar a prisão provisória (fl. 46):



"(...)

In casu, na forma do art. 594, do CPP, os apenados não devem recorrer em liberdade tendo em vista suas reincidências, posto que o ilícito penal fora cometido com violência e crueldade, quer nos parecer.

Expeça-se o competente mandado de prisão aos que estiverem em liberdade, pois trata-se de réus reincidentes ao que consta no caderno criminal."



Impetrado prévio writ, o Colegiado estadual se pronunciou, na data de 25.6.2009, deste modo (fls. 125⁄128):



"O presente habeas corpus merece ser conhecido. No mérito, consoante será oportunamente analisado, há de ser negada a ordem.

Da análise dos autos, vê-se que o paciente foi preso em flagrante, mas, por meio do Habeas Corpus n° 86.027, o Superior Tribunal de Justiça lhe deferiu o pedido de liberdade provisória.

Sobreveio sentença em 09 de janeiro de 2008, condenando-o a 09 anos, 02 meses e 07 dias de reclusão e, nos termos do artigo 594, do Código de Processo Penal, considerando a sua reincidência, determinou o recolhimento à prisão para recorrer.

Hoje, com o advento da Lei n° 11.719, de 20 de junho de 2008, que empreendeu alterações em dispositivos do Código de Processo Penal, não se pode mais admitir sentença que deixe de fundamentar a manutenção ou deferimento da prisão cautelar, quando se mostrar necessário, sendo certo que o artigo 594, do mesmo diploma legal, acabou sendo revogado.

Porém, nota-se que a sentença condenatória sub examine foi proferida em 09 de janeiro de 2008, logo, antes das alterações processuais.

Sendo assim, não há que se falar em constrangimento ilegal na sentença, pelo fato de negar o direito de recorrer em liberdade com base no artigo 594, do Código de Processo Penal, posto que este dispositivo não se encontrava revogado à época.

O impetrante alegou constrangimento ilegal sustentando, também, a ausência de fundamentação, uma vez que a sentença não indicou a presença dos requisitos do artigo 312, do Código de Processo Penal, para o recolhimento do paciente à prisão.

No entanto, como se verificou acima, a sentença tomou por base o disposto no artigo 594, do Código de Processo Penal, para negar o direito de recorrer em liberdade, sendo que, à época, esse dispositivo se encontrava plenamente vigente.

A sentença reconheceu que o paciente é réu reincidente, sendo certo que, nesse caso, segundo o sistema processual brasileiro anterior à Lei n° 11.719⁄2008, não se admitia o direito de apelar em liberdade.

(...)

Portanto, como a sentença objurgada negou o direito do paciente recorrer em liberdade com suporte na reincidência, tal fundamentação, apesar de sucinta, foi idônea e suficiente para a sua prisão.

Note-se que o Superior Tribunal de Justiça, que havia deferido a liberdade provisória para que o paciente aguardasse solto a instrução criminal, modificou seu entendimento em 17 de fevereiro de 2009, ao julgar o pedido de extensão da liberdade provisória aos demais co-réus, deduzindo que 'diante das informações colhidas junto à Vara de origem, verifica-se que já foi prolatada a sentença, sendo condenados os requerentes, assim como o paciente, à pena de 9 anos, 2 meses e 7 dias em regime inicial fechado, tendo-lhes sido negado o direito de recorrer em liberdade, com base em nova fundamentação, notadamente na reincidência e na crueldade com que teria sido cometido o delito ... A situação não só dos requerentes mas também do próprio paciente Osvanil Aparecido Pelegrini foi alterada, com a alteração do título da prisão e dos fundamentos analisados por este Superior Tribunal' (STJ, Habeas Corpus n° 86.027⁄PR, Sexta Turma, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJ 16⁄03⁄2009).

Diante do exposto, voto no sentido de negar a ordem pleiteada."



Verifica-se que foi imposta a custódia provisória, essencialmente, em razão da suposta gravidade do delito, da reincidência e do disposto no artigo 594 do Código de Processo Penal.

Ora, há de ver que declinar, unicamente, tais dados, sem respaldo em circunstâncias colhidas da situação concreta, não se constituem elementos aptos a ensejar a prisão provisória.

Relativamente à atuação do acusado, eis o que se disse na exordial acusatória (fls. 28⁄29):



"(...)

Assim é que no dia 30 de dezembro de 2006, por volta das 18 horas e 30 minutos, os denunciados DIRCEU ANTONIO RAMOS, AILTON MODESTO DA SILVA e OSVANIL APARECIDO PELEGRINI, juntamente com seus outros dois comparsas, unidos de forma permanente e estável em quadrilha, e com distribuição de tarefas entre si, previamente mancomunados, unidos pelo mesmo propósito delituoso e com ânimo de assenhoreamento definitivo de coisa alheia, dirigiram se até o estabelecimento comercial 'Frigorífico Vale Verde', localizado na Rua Suindara, n° 20. Vila Vara, nesta cidade e Comarca. Lá chegando, os denunciados DIRCEU ANTONIO RAMOS, AILTON MODESTO DA SILVA e OSVANIL APARECIDO PELEGRINI, além dos outros dois elementos não identificados, com plena consciência da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, adentraram no estabelecimento e deram voz de assalto aos funcionários e clientes que se encontravam no local e, mediante grave ameaça, exercida com emprego de armas de fogo, as quais se encontravam em poder dos denunciados, subtraíram, para todos, a importância de R$ 340,00 em moedas, além de certa quantia em dinheiro, todos da empresa⁄vítima Frigorífíco Vale Verde; uma corrente de ouro com dois crucifixos, um aparelho celular marca Nokia modelo 6111 e uma carteira de couro cor preta contendo documentos pessoais, avaliados em R$ 1.540,00, da vítima Renato Silvério Bertoluci e uma pistola Taurus 380, (...), um carregador e um aparelho celular marca Motorolla, avaliados em R$ 2.200,00, da vítima Carlos Alberto Tognon.

Na seqüência, para empreenderem fuga do local, os denunciados DIRCEU ANTONIO RAMOS, AILTON MODESTO DA SILVA e OSVANIL APARECIDO PELEGRINI, além dos outros dois elementos não identificados, com plena consciência da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, renderam a vítima Cássio Luiz Saraiva Chaves e, mediante grave ameaça, consistente na utilização de armas de fogo, subtraíram, para todos, a camionete Toyota⁄Hylux, cor preta, ano 2006, (...) avaliada em R$ 160.000,00, evadindo-se do local em poder da res furtiva.

(...)"



É de ver que a atuação descrita é a necessária para a própria configuração do delito em questão - roubo circunstanciado. Com base nela indicar que a conduta delata maior reprovação é alicerçar em areia movediça tal consideração.

Não basta, igualmente, declinar apenas a reincidência do paciente para frustrar a liberdade. Com efeito, a circunstância já foi objeto de apreciação na segunda fase da dosimetria da pena, por ocasião do acréscimo da reprimenda pela agravante. Menciona-la sem o esteio de dados concretos, não atende ao disposto no artigo 93, IX, da Constituição Federal.

Ademais, a prisão foi determinada como medida de antecipação de pena, o que é vedado em um Estado que se quer democrático e de direito, nas palavras de Canotilho, um Estado antropologicamente amigo.

Saliente-se que mesmo antes da revogação do artigo 594 do Código de Processo Penal, promovida pela Reforma de 2008, a jurisprudência dos Tribunais Superiores e a melhor doutrina já proscreviam a chamada prisão decorrente de sentença condenatória recorrível, que invertia a lógica de que a liberdade é regra, obviando o cânone constitucional da desconsideração prévia de culpabilidade.

Cite-se, inclusive, o disposto no artigo 387 do Código de Processo Penal, com a redação prevista pela Lei n.º 11.719⁄08, o qual estabelece que a mantença da custódia, na sentença condenatória, está condicionada à adequada fundamentação, in verbis:



"Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória:

(...)

Parágrafo único. O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta."



Ao que se me afigura, debruçando-me sobre o caso em concreto, a prisão provisória não se sustenta, porque nitidamente desvinculada de qualquer elemento de cautelaridade.

Nunca é demais lembrar que a prisão processual deve ser configurada no caso de situações extremas, em meio a dados sopesados da experiência concreta, porquanto o instrumento posto a cargo da jurisdição reclama, antes de tudo, o respeito à liberdade.

Dúvida não há, portanto, de que a liberdade, antes do trânsito em julgado, é a regra, não compactuando com a automática determinação⁄manutenção de encarceramento. Pensar-se diferentemente seria como estabelecer uma gradação no estado de inocência presumida. Ora, é-se inocente, numa primeira abordagem, independemente da imputação. Tal decorre da raiz da idéia-força da presunção de inocência e deflui dos limites da condição humana, a qual se ressente de imanente falibilidade.

A necessidade de motivação das decisões judiciais – dentre as quais se insere aquela relativa ao status libertatis do imputado antes do trânsito em julgado – não pode significar, a meu ver e com todo o respeito dos votos contrários, a adoção da tese de que, nos casos de crimes graves, há uma presunção relativa da necessidade da custódia cautelar. E isso porque a Constituição da República não distinguiu, ao estabelecer que ninguém poderá ser considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, entre crimes graves ou não, tampouco estabeleceu graus em tal presunção. A necessidade de fundamentação decorre do fato de que, em se tratando de restringir uma garantia constitucional, é preciso que se conheça dos motivos que a justificam. É nesse contexto que se afirma que a prisão cautelar não pode existir ex legis, mas deve resultar de ato motivado do juiz.

Vê-se, portanto, que se limitou o magistrado a ressaltar a gravidade abstrata do delito e a traçar suposições acerca da conduta delitiva, sem indicar, contudo, qualquer elemento concreto a justificar a imposição de prisão antes do trânsito em julgado.

Trata-se de verdadeira afronta à garantia da motivação das decisões judiciais a decisão que justifica a prisão de tal forma. Como medida extrema, dotada de absoluta excepcionalidade, deve ser a prisão provisória justificada em motivos concretos, e, ainda, que indiquem a necessidade cautelar da prisão, sob pena de violação à garantia da presunção de inocência.

Assim, não havendo a indicação de elementos específicos do caso que, concretamente, apontem a necessidade da medida cautelar, não pode subsistir a decisão, por falta de motivação idônea.

Essa tem sido a orientação deste Superior Tribunal de Justiça, abominando-se a fundamentação da prisão calcada apenas em proposições genéricas:



"HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ART. 213, § 1.º, C.C. O ART. 14, INCISO II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA. MATÉRIA NÃO APRECIADA NA ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. CUSTÓDIA CAUTELAR MANTIDA COM BASE EM MERAS CONJECTURAS E NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO, SEM REFERÊNCIA A DADOS CONCRETOS. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA EXTENSÃO, CONCEDIDA.

1. Não formulada na impetração originária a tese de excesso de prazo na formação da culpa, não pode ser conhecida a matéria por esta Corte, sob pena de supressão de instância. Precedente.

2. A prisão cautelar somente é devida se expressamente justificada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do art. 312 do Código de Processo Penal.

3. Na hipótese, o magistrado teceu considerações abstratas no decisum impugnado, sem comprovar a existência dos pressupostos e motivos autorizadores da medida cautelar, com a devida indicação dos fatos concretos legitimadores de sua imposição, nos termos do art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, restando a prisão amparada, tão somente, na gravidade do delito, na alusão genérica à possibilidade de risco à instrução criminal, bem como em conjecturas acerca de suposta periculosidade do réu.

4. Já decidiu este Superior Tribunal de Justiça, em inúmeros julgados, no sentido de que '[...] a mera opinião do julgador sobre a gravidade do delito também não serve como fundamento a autorizar a medida constritiva da liberdade' (HC 42.303⁄RJ, 6.ª Turma, Rel. Min. PAULO GALLOTTI, DJe de 03⁄08⁄2009).

5. A afirmação de ser o acusado portador de transtornos mentais, sem nenhuma referência a elementos indicativos de sua periculosidade nos autos, não tem o condão de, por si só, justificar a prisão cautelar do Paciente, porquanto ausentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal. Precedente.

6. Outrossim, não há notícias nos autos de que o réu tenha se envolvido em outros atos delitivos de qualquer natureza.

7. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa extensão, concedido, para cassar a decisão que indeferiu a liberdade provisória ao Paciente, sem prejuízo de que outras medidas cautelares sejam adotadas pelo Juízo condutor do processo, conforme ressaltado no voto."

(HC 206.868⁄SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 06⁄09⁄2011, DJe 22⁄09⁄2011)



"HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA. ART. 312 DO CPP. GRAVIDADE ABSTRATA DA INFRAÇÃO.

1. A jurisprudência desta Corte tem proclamado que a prisão cautelar é medida de caráter excepcional, devendo ser imposta, ou mantida, apenas quando atendidas, mediante decisão judicial fundamentada (art. 93, IX, da Constituição Federal), as exigências do art. 312 do Código de Processo Penal. Isso porque a liberdade, antes de sentença penal condenatória definitiva, é a regra, e o enclausuramento provisório, a exceção, como têm insistido esta Corte e o Supremo Tribunal Federal em inúmeros julgados, por força do princípio da presunção de inocência, ou da não culpabilidade.

2. A fundamentação declinada pelo Magistrado de primeiro grau não indicou de que forma a liberdade do paciente colocaria em risco a ordem pública, a conveniência da instrução criminal ou a aplicação da lei penal. Procurou alicerçar a medida constritiva na gravidade abstrata do crime consubstanciada em expressões genéricas do tipo, 'apreensão no meio social', 'reflexos negativos e traumáticos na vida da sociedade', 'sentimento de impunidade e de insegurança', não afirmando, concretamente, de que forma a liberdade do paciente colocaria em risco a ordem pública.

3. Ademais, o fato de o delito ter sido amplamente noticiado na imprensa local e estadual, não é, por si só, fundamento suficiente para a determinação de segregação cautelar.

4. Ordem concedida."

(HC 206.726⁄RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 06⁄09⁄2011, DJe 26⁄09⁄2011)



"Processo de competência do júri (caso). Prisão preventiva (caráter provisório). Fundamentação (falta).

1. A prisão provisória só há de ser imposta por meio de decisão fundamentada, por exemplo, no caso da preventiva, o despacho (ou a decisão) que a decretar 'será sempre fundamentado'.

2. Tal é o que, de igual sorte, acontecerá com a decisão que, ao receber a denúncia, decreta a prisão preventiva, se e quando o juiz entender que, recolhido à prisão, o réu haverá de aguardar o julgamento pelo tribunal do júri.

3. Tratando-se de decisão (que fez recair prisão provisória sobre o réu) sem suficiente fundamentação, é de se reconhecer, daí, que o paciente sofre a coação ensejadora do habeas corpus.

4. Ordem concedida."

(HC 77.409⁄MG, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 07⁄02⁄2008, DJe 22⁄09⁄2008)



"HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. PRESERVAÇÃO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA.

1. A fundamentação das decisões do Poder Judiciário, tal como resulta da letra do inciso IX do artigo 93 da Constituição da República, é condição absoluta de sua validade e, portanto, pressuposto da sua eficácia, substanciando-se na definição suficiente dos fatos e do direito que a sustentam, de modo a certificar a realização da hipótese de incidência da norma e os efeitos dela resultantes.

2. A falta de demonstração, efetiva e concreta, das causas legais da prisão preventiva, caracteriza constrangimento ilegal manifesto, tal como ocorre quando o Juiz se limita a invocar a necessidade de garantir a ordem pública, sem base, contudo, em qualquer fato concreto.

3. O decreto de prisão preventiva há de substanciar-se no fato-crime e no homem-autor concretos, não bastando, como não basta, a invocação da gravidade abstrata do crime.

4. Ordem concedida."

(HC 80.870⁄PR, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 29⁄11⁄2007, DJ 11⁄02⁄2008 p. 1)



"PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PRISÃO PREVENTIVA. DECISÃO DO JUIZ SINGULAR BASEADA EM ELEMENTOS ABSTRATOS E GENÉRICOS. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 312 DO CPP. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA.

1. A prisão preventiva não é incompatível com o princípio fundamental da presunção de inocência, desde que a aplicação da medida esteja alicerçada em sólidos elementos.

2. No caso, o decreto prisional encontra-se fundamentado em considerações de ordem genérica, não apontando nenhuma circunstância concreta, relativa ao paciente, que levasse à necessidade de sua segregação, a não ser a gravidade abstrata da acusação sobre ele recaída. A simples referência a expressões como 'preservação da ordem pública' e 'repercussão social', ou ainda menção ao risco de reiteração, desvinculadas de dados concretos, não legitimam a decretação da custódia cautelar.

3. Incumbe ao magistrado singular o dever de bem fundamentar suas decisões, não cabendo ao Tribunal estadual, notadamente em sede de habeas corpus, ação constitucional que visa tutelar exclusivamente os direitos do réu, inovar na fundamentação, sanando eventual vício cometido em primeira instância, a fim de justificar a necessidade da medida extrema. Precedentes.

4. Ordem concedida para, confirmando a liminar, garantir ao paciente o direito de responder ao processo em liberdade, ressalvada a possibilidade de nova prisão ou imposição das medidas cautelares previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, se demonstrada sua necessidade."

(HC 207.717⁄CE, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 06⁄03⁄2012, DJe 22⁄03⁄2012)



"Sentença condenatória (expedição de mandado). Prisão (caráter provisório). Réu solto (caso). Apelação em liberdade (possibilidade). Recursos (esgotamento). Condenação (trânsito em julgado).

1. Antes de a sentença penal condenatória transitar em julgado, a prisão dela decorrente tem a natureza de medida cautelar, a saber, de prisão provisória – classe de que são espécies a prisão em flagrante, a temporária, a preventiva, etc.

2. Presume-se que toda pessoa é inocente, isto é, não será considerada culpada até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, princípio que, de tão eterno e de tão inevitável, prescindiria de norma escrita para tê-lo inscrito no ordenamento jurídico.

3. É da jurisprudência da 6ª Turma do Superior Tribunal que o réu, já em liberdade, em liberdade permanecerá até que se esgotem os recursos de índole ordinária e extraordinária.

4. Ordem de habeas corpus concedida em parte, para que o paciente permaneça em liberdade até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória."

(HC 54.602⁄MG, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 18⁄10⁄2007, DJe 31⁄03⁄2008)



Ante o exposto, em consonância com o externado por ocasião da análise da liminar, concedo a ordem a fim de que o paciente possa aguardar em liberdade o trânsito em julgado da Ação Penal n.º 2007.0000116-9, em trâmite perante a 3ª Vara Criminal da Comarca de Londrina⁄PR, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de que o Juízo a quo, de maneira fundamentada, examine se é caso de aplicar uma das medidas cautelares implementadas pela Lei n.º 12.403⁄11, ressalvada, inclusive, a possibilidade de decretação de nova prisão, caso demonstrada sua necessidade.

É como voto.









CERTIDÃO DE JULGAMENTO

SEXTA TURMA

Número Registro: 2009⁄0196322-1

HC 149.922 ⁄ PR



MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 200700001169 5795773



EM MESA JULGADO: 17⁄05⁄2012





Relatora

Exma. Sra. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA



Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR



Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. PAULO EDUARDO BUENO



Secretário

Bel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA



AUTUAÇÃO



IMPETRANTE : LEONARDO LOBO DE ANDRADE VIANNA

IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ

PACIENTE : OSVANIL APARECIDO PELEGRINI (PRESO)





ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra o Patrimônio - Roubo Majorado



CERTIDÃO



Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:



"A Turma, por unanimidade, concedeu a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora."

O Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior e a Sra. Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora convocada do TJ⁄PE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Og Fernandes.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior.



Documento: 1148809 Inteiro Teor do Acórdão - DJe: 28/05/2012