segunda-feira, 4 de março de 2013

DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO DAS MATÉRIAS ALEGADAS PELA DEFESA

DIREITO POR QUEM FAZ...


APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. PRELIMINARES DE CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE DO RECONHECIMENTO PELAS VÍTIMAS. AUSÊNCIA DE APRECIAÇÃO DE QUESTÃO PRELIMINAR SUSCITADA EM ALEGAÇÕES FINAIS PELA DEFESA. VIOLAÇÃO ÀS DISPOSIÇÕES DO ART. 381, III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NULIDADE INSANÁVEL. DECRETAÇÃO, DE OFÍCIO, DA NULIDADE DA DECISÃO. REMESSA AO JUÍZO DE ORIGEM PARA A PROLATAÇÃO DE NOVA DECISÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 564, IV, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. SENTENÇA ANULADA. RECURSOS DAS DEFESAS CONHECIDOS E PROVIDOS. APELO MINISTERIAL PREJUDICADO.

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal nº 717234-1...


 
1. XXX foram denunciados como incursos nas sanções previstas nos artigos 288, parágrafo único e artigo 157, § 2º, incisos I e II, combinado com artigo 70 e incidência do artigo 69, todos do Código Penal, pela prática dos fatos assim descritos na denúncia:



Fato 01: Em data e local não precisamente determinados nos autos, mas certamente após terem deixado a Colônia Penal Agrícola do Estado do Paraná, o que ocorreu no dia 22.12.2006, os denunciados XXXXX, além de outros dois elementos de identidade e paradeiros ignorados até o presente momento, com plena consciência da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas e unidos pelo mesmo propósito delituoso, associaram-se em quadrilha, de forma estável e permanente, com o fim de cometer crimes.

A associação criminosa estabelecida pelos denunciados era armada.



Fato 02: Assim é que no dia 30 de dezembro de 2006, por volta das 18 horas e 30 minutos, os denunciados XXX, juntamente com seus outros dois comparsas, unidos de forma permanente e estável em quadrilha, e com distribuição de tarefas entre si, previamente mancomunados, unidos pelo mesmo propósito delituoso e com animo de assenhoreamento definitivo de coisa alheia, dirigiram-se até o estabelecimento comercial "Frigorífico Vale Verde", localizado na Rua Suindara, nº 20, Vila Yara, nesta cidade e Comarca. Lá chegando, os denunciados XXX, além dos outros dois elementos não identificados, com plena consciência da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, adentraram no estabelecimento e deram voz de assalto aos funcionários e clientes que se encontravam no local e, mediante grave ameaça, exercida com emprego de armas de fogo, as quais se encontravam em poder dos denunciados, subtraíram para todos, a importância de R$ 340,00 em moedas, além de certa quantia em dinheiro, todos da empresa/vítima Frigorífico Vale Verde; uma corrente de ouro com dois crucifixos, um aparelho celular marca Nokia modelo 6111 e uma carteira de couro cor preta contendo documentos pessoais, avaliados em R$ 1.540,00, da vítima Renato Silvério Bertoluci e uma pistola Taurus 380, serial KRE 12774, um carregador e um aparelho celular marca Motorolla, avaliados em R$ 2.200,00, da vítima Carlos Alberto Tognon.

Na sequencia, para empreenderem fuga do local, os denunciados XXX, além dos outros dois elementos não identificados, com plena consciência da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, renderam a vítima Cassio Luiz Saraiva Chaves e, mediante grave ameaça, consciente na utilização de armas de fogo, subtraíram, para todos, a camionete Toyota/Hailux, cor preta, ano 2006, placas KZS-5467, avaliada em R$ 160.000,00, evadindo-se do local em poder da `res furtiva'.

Na sequencia, depois de ter sido acionada, a polícia militar logrou êxito, após troca de tiros, em efetuar a prisão dos denunciados XXX, os quais estavam na posse dos bens roubados".



Após regular processamento do feito, sobreveio a decisão de fls. 391/404 que julgou parcialmente procedente a denúncia e absolveu os réus XXX das imputações contidas no artigo 288, parágrafo único do Código Penal e condenou-os nas sanções do artigo 157, § 2º, incisos I e II combinado com artigo 71, ambos do Código Penal, todos às penas de 09 (nove) anos, 02 (dois) meses e 07 (sete) dias de reclusão a ser cumprida em regime fechado e 22 (vinte e dois) dias-multa.

Inconformados com a sentença, houve a interposição de recurso de apelação, tanto pela acusação, quanto pelas defesas.

O representante ministerial, em suas razões recursais, requereu a condenação dos acusados também nas penas do artigo 288, parágrafo único do Código Penal, bem como a majoração da pena relativa ao crime de roubo (fls. 422/440).

A defesa de Osvanil Aparecido Pelegrini requereu, preliminarmente, em razões recursais, pela nulidade da sentença por ausência de apreciação das teses apresentadas em alegações finais, ou, ainda, pela nulidade da decisão por ausência de fundamentação. Ainda, pugnou pela redução da fração de aumento referente às causas de aumento, o reconhecimento do concurso formal e a declaração de inconstitucionalidade do agravamento da pena referente ao reconhecimento da reincidência. No mérito, pediu a absolvição por ausência de provas (fls. 487/501).

Por sua vez, a defesa nomeada de Ailton e Dirceu, em razões de recurso, pugnou preliminarmente pela declaração de nulidade da sentença por ausência de apreciação de questões fundamentais arguidas pela defesa em alegações finais e a redução da majoração da pena referente às causas de aumento do roubo por ausência de fundamentação. No mérito, pediu a absolvição por ausência de provas (fls.487/501)

Contrarrazões ofertadas às fls. 526/550, 446/455 e 462/465.

Nesta instância, manifestou-se o ilustre representante da Procuradoria Geral de Justiça pelo conhecimento e desprovimento dos recursos defensivos, e parcial provimento ao recurso ministerial para condenar os agentes também nas sanções do artigo 288, parágrafo único do Código Penal (fls. 581/598).

É o relatório.

2. Presentes os pressupostos recursais de admissibilidade intrínsecos (legitimidade, interesse, cabimento e inexistência de fato impeditivo e extintivo), e extrínsecos (tempestividade e regularidade formal), conheço do recurso.

Contudo, em análise da decisão combatida vê-se que está eivada de nulidade, vez que não foi devidamente fundamentada, deixando de apreciar questões argüidas pelas defesas em alegações finais, em especial, a nulidade do reconhecimento efetuado no momento da prisão, a inépcia da denúncia quanto aos crimes de roubo e formação de quadrilha armada.

A MM. Dr.ª Juíza de Direito, em sua decisão, não teceu nenhuma consideração sobre os argumentos das defesas referentes às nulidades arguidas quando das alegações finais.

Certo é que não há necessidade de o julgador discorrer expressa e minuciosamente acerca de todos os argumentos trazidos pela defesa, bastando que estejam logicamente excluídos pela fundamentação exarada, que adotou posição contrária. Todavia, não há nos autos nenhuma fundamentação acerca da tese argüida pelas defesas em alegações finais.

Houve, portanto, manifesta omissão do julgado, quanto à tese de defesa, caracterizando cerceamento de defesa e violação à regra do artigo 381, inciso III, do Código de Processo Penal, bem como à disposição do artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal.

A respeito confira-se:

"É imperativo constitucional que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário devem ser fundamentados, sob pena de nulidade (art. 93, IX, CF). É uma garantia não só para as partes como para o Estado, pois a ele interessa que sua vontade superior seja exatamente aplicada e se administre corretamente a justiça". (Julio Fabbrini Mirabete, in "Código de Processo Penal Interpretado", 7ª ed., Atlas, 2000, p.820).

Abordando as nulidades da sentença, refere o renomado doutrinador que "... é eivada de nulidade a sentença que não responde às alegações da defesa, seja de mérito, seja de preliminares argüida oportunamente" (ob. cit., p.824).

A desconsideração do julgado quanto à apreciação de tese da defesa induvidosamente vem em prejuízo do réu, e tal conclusão não pode ser afastada, pois seria dever legal do Juiz se manifestar sobre as teses argüidas pela defesa.

Também Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, na obra "As Nulidades no Processo Penal", (6ª ed., R.T., 1997), referem que:

"A conclusão será diferente, contudo, se o juiz, além de não mencionar as alegações das partes, deixar de examiná-las. Aqui, haverá nulidade por falta de motivação. Nem se pode argumentar que o silêncio do magistrado representaria rejeição tácita da argüição". (p. 208).

E ainda, extrai-se da jurisprudência que:


"Se o Magistrado, ao sentenciar, desconsidera qualquer fundamento utilizado por uma das partes, ignorando tese sustentada por um dos litigantes, está descumprindo a exigência legal e constitucional da fundamentação do julgado, prevista nos artigos 381 do CPP, e 93, IX, da CF, tornando a sentença nula, pois carente de seu requisito estrutural". (TJSP, RT761/604).


E mais:


"É sabidamente nula a sentença que não responde às teses propostas nas razões das partes, seja para acolhê-las, seja para repeli-las. Ignorar simplesmente qualquer das proposições dos litigantes implica manifesto cerceamento de defesa, causa geradora da nulidade." (TACRIM/SP, RT 725/600).



Sabe-se que as alegações finais se constituem em peça relevante para a defesa do réu, onde se sintetizam todas as teses passíveis de apresentação, em atendimento ao princípio constitucional da ampla defesa (art. 5º, LV, CF), que integra o título "Dos Direitos e Garantias Fundamentais" da Carta Constitucional.



Em síntese, conforme já mencionado, não há necessidade de o magistrado manifestar-se expressamente sobre todos os argumentos trazidos pela parte se por outros fundamentos as teses podem ser logicamente excluídas. Todavia, não houve nenhuma menção acerca da arguição sobre a nulidade do reconhecimento efetuado no momento da prisão, a inépcia da denúncia quanto aos crimes de roubo e formação de quadrilha armada e o fato de analisar as provas e exercer um juízo acerca da autoria e materialidade, por si só não afasta a nulidade argüida. Assim, sobre tal tese houve omissão, restando caracterizado o cerceamento de defesa.



Não resta, portanto, outra conclusão senão a decretação, de ofício, da nulidade da decisão vergastada, remetendo-se os autos ao juízo de origem para a prolação de nova decisão, conforme preceitua o art. 564, IV, do Código de Processo Penal.


Ex positis, dou provimento aos recursos defensivos e declaro a nulidade absoluta da decisão objurgada pela insuficiência de sua fundamentação, remetendo-se os autos ao juízo de origem para prolação de nova sentença, observada as exigências legais inerentes, restando prejudicado o apelo ministerial.


É como voto.


ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e dar provimento aos recursos defensivos, declarando a nulidade absoluta da decisão pela insuficiência de sua fundamentação, remetendo-se os autos ao juízo de origem para prolação de nova sentença, restando prejudicada a análise do mérito do recurso ministerial, nos termos do voto.



O julgamento foi presidido pela Senhora Desembargadora Maria José Teixeira, com voto, tendo dele participado os Senhores Desembargadores Lídio José Rotoli de Macedo e Jorge Massad.



Curitiba, 09 de agosto de 2012.



DES.ª MARIA JOSÉ TEIXEIRA Relatora