sexta-feira, 30 de julho de 2010

STJ anula decisão de pronúncia por excesso de linguagem do juiz

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), com base no voto do ministro Jorge Mussi, anulou uma sentença de pronúncia do juízo singular por excesso de linguagem do juiz, entendendo que, da forma como a decisão foi redigida, poderia influenciar desfavoravelmente o Tribunal de Júri no julgamento de Valmir Gonçalves, denunciado pelo assassinato de Carlos Alberto de Oliveira e pelo crime de lesão corporal contra Maria Barbosa, esposa da vítima. Em setembro de 2005, na capital Florianópolis, Valmir Gonçalves, conhecido como Miró, entrou em luta corporal com Carlos Alberto, matando-o a facadas. Durante a briga, agrediu a esposa da vítima, empurrando a mulher contra um portão. Miró foi denunciado pelos crimes previstos no artigo 121 do Código Penal e aguarda julgamento pelo Tribunal do Júri. Inconformada com o teor da decisão de pronúncia, na qual o juiz teria se excedido na linguagem, utilizando juízo de valor que poderia influenciar os jurados que irão compor o Conselho de Sentença, a defesa de Miró recorreu ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC). Entretanto, o TJSC não acolheu a tese de constrangimento ilegal e da nulidade da sentença, mantendo-a integralmente. Os advogados de Miró apelaram, então, ao STJ, alegando ser "flagrante o excesso de linguagem utilizada pelo juízo singular". De acordo com o pedido, a forma como a decisão foi redigida prejudicaria a defesa, pois teria se aprofundado no exame das provas e exposto a convicção (opinião) do magistrado sobre as circunstâncias dos fatos descritos na denúncia. Em face dessas irregularidades, pedido de habeas corpus requereu a suspensão dos prazos recursais até o julgamento definitivo do recurso e a concessão da ordem para que fosse decretada a nulidade da sentença de pronúncia. No pedido, foi solicitada, ainda, a elaboração de uma nova decisão provisional. Em seu voto, o ministro Jorge Mussi, relator do processo, explicou que os jurados podem ter acesso aos autos e, consequentemente, à sentença de pronúncia do réu. De posse da sentença e do relatório do processo, feito por escrito pelo juiz, os jurados podem se situar no cenário do caso a ser julgado e dirigir perguntas às testemunhas e ao acusado. "Nesse caso, é mais um fator para que decisão de juízo singular seja redigida em termos sóbrios e técnicos, sem excessos, para que não se corra o risco de influenciar o ânimo do tribunal popular, bem justificando o exame da existência ou não de vício na inicial contestada", disse o ministro. Para o relator, os argumentos da defesa de Valmir Gonçalves procedem. "Baseado nas considerações feitas e na leitura da peça processual atacada, verifica-se que, na presente hipótese, o juízo singular manifestou verdadeiro juízo de valor sobre as provas produzidas nos autos, ao expressar, claramente e de forma direta, que seria impossível o acolhimento da tese de legítima defesa. Desse modo, afrontou a soberania dos veredictos da corte popular ao imiscuir-se no âmbito de cognição exclusivo do Tribunal do Júri". Ao concluir o voto, o ministro ressaltou que, "sem sombra de dúvida", a decisão de pronúncia, de fato, se excedeu ao aprofundar a análise do conjunto de provas, invadindo a competência constitucional atribuída ao Tribunal do Júri, que julga os crimes dolosos contra a vida. "O juízo singular teceu manifestações diretas acerca do mérito da acusação capazes de exercer influência no espírito dos integrantes do Conselho de Sentença, principalmente em razão da falta de cuidado no emprego dos termos, sendo constatado o alegado excesso de linguagem na decisão singular, motivo pelo qual se vislumbra o aventado constrangimento ilegal". O relator concedeu o pedido de habeas corpus em favor de Miró, para anular a decisão de pronúncia, determinando que outra seja proferida com a devida observância dos limites legais. O voto do ministro foi acompanhado pelos demais ministros da Quinta Turma.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Suspeitos são expostos em demasia na mídia

Há 16 anos, seis acusados de abuso sexual de crianças foram vítimas de linchamento moral. Tudo começou com uma falsa denúncia, agravada pelo erro de um delegado de polícia e amplificada pela precipitação da mídia ao julgar e expor os suspeitos. Os donos e funcionários da Escola Base foram inocentados, não sem antes ter a reputação destruída; o Estado de São Paulo e vários órgãos de comunicação foram condenados a indenizações milionárias (leia mais nesta página). Mas polícia e imprensa não aprenderam com os erros e continuam a pôr em xeque o artigo 5.º da Constituição e a Lei 12.037 ao divulgar a imagem de pessoas suspeitas de cometer um crime.
O caso mais representativo atualmente é o do ex-goleiro do Flamengo Bruno Fernandes. Mesmo sendo pessoa pública, com RG e endereço conhecido, foi fichado e teve sua foto de identificação criminal divulgada pela polícia. Um cidadão com esses requisitos não precisa ser submetido a essa exposição. Ao identificá-lo com placa de números em foto, a polícia infringiu a Lei 12.037. A rigor, nenhum acusado, salvo autorização expressa, pode ser exposto ao público, mesmo sob o rótulo de “acusado”, sem antes ha­­ver uma sentença penal transitada em julgado. “Os efeitos dessa exposição antecipada são irreparáveis”, diz o advogado Robson Zanetti.
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Curiosidade mórbida traz riscos
O comportamento humano diante de casos envolvendo crimes noticiados pela imprensa tem instigado a psicóloga Mariliz Vargas, que há mais de 20 anos trabalha com psicoterapia. A reflexão dela parte de quatro questões centrais: o que tanto atrai o ser humano em direção ao grotesco? Por que gostamos tanto de comentar detalhes sórdidos de crimes violentos? Que estranha curiosidade é essa que se esconde em nossas mentes e que é explorada diariamente pelos meios de comunicação? Essa exploração é inofensiva para nós ou nos causa algum prejuízo?
De acordo com a psicóloga, o caso Bruno e seus desdobramentos nos colocaram frente a frente com uma característica singular do ser humano: a curiosidade mórbida. “Nós temos naturalmente tal característica, pois ela está ligada ao desejo pelo desconhecido, está ligada também, e principalmente, ao mistério da morte. Quando estamos imersos no cotidiano e seus compromissos, não nos damos conta da fragilidade da existência”, analisa .
Por isso, observa Mariliz, fatos catastróficos chocam tanto, chamam atenção e deixam as pessoas como crianças diante de uma descoberta. É um traço da curiosidade, mas há outras facetas nada inocentes dessa característica. “Trata-se do prazer mórbido, aquele que leva a pessoa a assistir filmes de terror e de matança. É o prazer que dá a vivência da própria morte, e de todos os detalhes envolvidos nessa realidade natural”, explica.
A psicóloga explica ainda que deparar-se com situações de conteúdo macabro causa uma reação físico-química no organismo e assim traz à tona a atração por esse tipo de assunto, da mesma forma como a pessoa pode sentir atração por imagens de conteúdo sexual.
Mariliz faz um alerta. “Ao se expor demasiadamente a material violento, você está dando uma munição muito perigosa para sua própria mente. E ela vai descarregar esta munição em cima de você e das pessoas próximas”, diz. E quando isso acontece? “Descarrega contra você quando esse excesso de informação sobrecarrega a sua mente. Você alimenta sua mente com um monte de lixo, diariamente, e vai ficando intoxicado”, destaca.
A pessoa passa a falar com conhecidos e desconhecidos sobre fatos macabros e terríveis que presencia, sem imaginar que esse tipo de comportamento vai refletir sobre o seu sistema físico e emocional. “Alimentar a curiosidade mórbida tem, sim, um efeito devastador sobre a saúde. Então pare de brincar com a sua natureza humana, pois ela merece da sua parte toda consideração e cuidado que um ser vivo tem direito”, aconselha. (MK)
Lição mal-aprendida
Ecos da Escola Base
Um caso que entrou para os anais do Judiciário brasileiro se deu em 1994. Vários órgãos da imprensa publicaram reportagens sobre o abuso sexual de crianças pelos donos e funcionários da Escola Base, em São Paulo. Segundo as denúncias, o perueiro da escola levava os alunos para a casa de um casal, onde os abusos seriam filmados.
Sem verificar a veracidade das denúncias e com base em laudos preliminares, o delegado Edélcio Lemos divulgou as informações à imprensa.
A divulgação levou à depredação e saque da escola. Os donos foram presos. Contudo, o inquérito policial foi arquivado por falta de provas, sem qualquer indício de fundamento. Com o arquivamento do inquérito, os acusados dos abusos deram início à batalha jurídica por indenizações. O governo paulista e alguns órgãos de imprensa foram condenados a pagar indenização.
A imprensa não acusa formalmente ninguém de ter cometido um crime, mas a cober­­­tura jornalística tem efeito destrutivo quando condena moralmente o acusado de forma antecipada, gerando um pré-convencimento da população de que ele deve mesmo ser condenado. “Embora a mídia utilize o termo ‘acusado’, o efeito prático é de uma quase condenação”, diz Zanetti. O termo “quase”, pondera o advogado, deve ser visto como um juízo de probabilidade, pois para quem toma conhecimento da informação pela mídia forma um preconvencimento de que a pessoa cometeu o crime, ou seja, se está sendo acusada é porque fez. O caso de Bruno não é o único.
Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, Icushiro e Maria Aparecida Shimada, Paulo Delci Unfried e Paulo Estevão de Lima são alguns nomes que ficaram conhecidos antes de serem condenados ou absolvidos. Ainda na condição de acusados, foram expostos à exaustão na mídia. O casal Nardoni acabou condenado pela morte de Izabela, os Shimada foram absolvidos no caso da Escola Base, Paulo Unfried foi inocentado da acusação de molestar Monik Pegorari e matar Osíris Del Corso. Agora, Paulo Estevão de Lima foi apresentado pela polícia do Paraná e exposto pela imprensa ao público como suspeito de ter matado a psicóloga Telma Fontoura.
Direitos e obstáculos
Especialista em Direito Penal, o secretário-geral da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Paraná (OAB-PR), Juliano José Breda, divide a questão de duas maneiras: uma delas diz respeito ao trabalho da polícia, outra trata dos direitos individuais. Para Breda, a superexposição do acusado e das ações policiais cria obstáculos à investigação porque outros investigados e testemunhas acabam acompanhando na imprensa os rumos do trabalho policial e podem forjar evidências ou impedir que novas provas sejam colhidas. O segundo problema é que a exposição nunca é feita de forma a resguardar a imagem do acusado, nem equiparar a versão do investigado sobre os fatos em questão.
Breda observa que em geral o suspeito é apresentado ao público como autor do crime, o que conspira contra a presunção de inocência e a defesa. Pela Cons­tituição, ninguém será considerado culpado antes de sentença penal transitada em julgado, e a todos é assegurado o direito à ampla defesa. Mas a superexposição midiática acaba impedindo que a defesa seja feita no sentido de equilibrar a impressão que se tem do acusado e o dano à sua imagem. Em muitos casos, mesmo a absolvição não tem força para diminuir o dano ao nome e à imagem a que foi exposto na investigação. “O suspeito é tido e havido como autor do delito”, diz.
A má conduta dos agentes públicos também pode comprometer as investigações, e eles precisam ser punidos por isso. “A pretexto de combater o crime, o estado não pode usar de meios imorais, ilegítimos para produzir provas”, diz Breda. No caso Bruno, por exemplo, as delegadas Alessandra Wilke e Ana Maria Santos foram afastadas temporariamente das investigações por deixarem vazar para a Rede Globo um vídeo em que goleiro comenta de maneira informal o sumiço de Eliza Samúdio. No vídeo, Bruno insinua que o amigo Macarrão teria sido o responsável pelo desaparecimento.
A intervenção da polícia ou da imprensa no curso natural da investigação pode trazer reflexos diretos no resultado final. Quando se trata de crime doloso, que vai ao tribunal do júri, a superexposição do caso pode levar o grupo de jurados a não conseguir separar conscientemente o que é prova processual e o que são resíduos da cobertura da mídia que ficou na memória. “É ainda mais danoso porque os jurados têm dificuldade de fazer essa separação”, observa Breda. Assim, as pessoas escolhidas para julgar o acusado vão ao tribunal com opinião formada. E, não raro, fica no inconsciente coletivo a ideia de que o acusado cometeu o crime.
Limite e liberdade
Para o advogado Rodrigo Xavier Leonardo, doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo, o limite entre a liberdade de comunicação e o direito de personalidade é construído conforme a estrutura jurídica do momento. Não é assunto com soluções fixas. E entre um extremo e outro há ainda o direito difuso à comunicação, ou seja, a prerrogativa da população de ser informada. Diante desse conflito entre liberdade de expressão e direito à imagem, deve-se considerar que quem estabelece o fato não é a imprensa. “O fato ocorre na vida da sociedade. O trabalho da imprensa é o de avaliar a maneira como esse fato será abordado”, diz Xavier.
No caso do goleiro Bruno, a acusação de homicídio é um fato. E isso é notícia. Agora, os meios de comunicação podem tratar desse fato levando as informações ao público de forma isenta ou fazendo acusações. Xavier pondera que nem sempre é possível divulgar suficientemente um assunto sem usar a imagem dos envolvidos. Nesse caso, o jornalista deve analisar em que medida vale a exposição para comunicar a notícia. “E, sobretudo, na mesma medida da gravidade com que se acusa, deve ser o trabalho investigativo da veracidade daquilo que se está comunicando”, observa. O problema, conclui, é que nem todos os setores da mídia conseguiram chegar a esse nível de reflexão.

Mutirão revela falhas no sistema judiciário e penal

Relatório final do mutirão carcerário realizado no Paraná pelo Conselho Nacional de Jus­tiça (CNJ) aponta falhas no sistema judiciário e penal do estado. Instauração de dois processos de execução para o mesmo réu, demora para cumprir alvarás, falta de acompanhamento da execução penal pelo juiz responsável, presos do regime semi-aberto cumprido pena no regime fechado, falta de assistência jurídica aos detentos, sistema de informática deficiente, Varas de Execução Penal com infraestrutura precária são exemplos dos problemas revelados pelo maior mutirão feito pelo CNJ no país até o momento.
Ontem, a reportagem da Gazeta do Povo mostrou a situação dos presos no Paraná e o abismo existente entre as unidades prisionais mantidas pela Secretaria de Estado de Segu­rança Pública (Sesp) e as mantidas pela Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania (Seju). Porém, de acordo com o coordenador do mutirão carcerário no Paraná, juiz Éder Jorge, os problemas no estado não se resumem a isso.Veja alguns resultados do mutirão carcerário: instituição de software específico para cálculo de pena; pressão política para tirar a Defensoria Publica do papel; edição da Resolução 108/CNJ para todo o país, para que os alvarás passem a ser cumpridos no máximo em 24 horas; interdição de delegacias (2º Distrito de Londrina, 12º Distrito de Curitiba, Delegacia de Furtos e Roubos de Curitiba, 9º Distrito de Colombo); estudos para a construção da Casa de Custódia de Ponta Grossa para aliviar a Cadeia Pública Hildebrando de Souza; remoção de presos com regime semiaberto concedido, mas que cumpriam pena no fechado; 21.437 processos analisados e 3.527 benefícios de liberdade ou semiliberdade concedidos.
Presença
Não basta decidir, tem de participar
Um dos problemas evidenciados pelo mutirão carcerário foi a necessidade de maior participação dos juízes na execução da pena. “Os juízes ficaram mais espertos para questão da execução penal. O juiz tem de fazer visita mensal. A execução é tão importante quando a condenação”, opina o coordenador do mutirão no Paraná, juiz Éder Jorge. “Não basta ir à administração do presídio, tem que conversar com os presos, sentir o problema. Isso não é nenhum favor. É obrigação”, conclui. O desembargador José Laurindo de Souza Netto rebate as críticas. “A atividade do juiz deve ser valorizada. Não dá para tirar água de pedra. Nem sempre passa pela vontade do juiz, trabalha-se com material reduzido e há um esforço profundo para suprir as deficiências”, diz.
CNJ aponta os problemas mais comuns no Paraná
Relatório do Conselho Nacional de Justiça descreve algumas das principais deficiências descobertas no mutirão carcerário:
Semiaberto
Não se sabe ao certo o número, mas há uma grande quantidade de presos com direito ao regime semiaberto que continua a cumprir pena no regime fechado, por falta de vagas em unidades adequadas. “Foi comum em todo o estado encontrar sentenciados já no regime semiaberto, presos por vários meses, às vezes já ultrapassando um ano, em cadeias públicas e delegacias superlotadas”, diz relatório do CNJ.
Duas execuções
Constatou-se, em todo o estado, que, mesmo quando há condenação em uma comarca diversa da sede da Vara de Execuções Penais (VEP) e o réu permanece recolhido na cadeia local por falta de vagas no sistema penitenciário, expede-se uma guia de recolhimento para a VEP. Dessa forma, instauram-se dois processos de execução penal de um mesmo sentenciado. Dois juízes acabam atuando numa mesma execução, o que pode gerar confusão em decisões.
Veja outras deficiências encontradas
Segundo ele, uma questão que chama atenção é justamente a existência de um grande número (não se sabe quanto) de detentos do regime semiaberto cumprindo pena em celas do regime fechado, por falta de vagas em unidades adequadas. Só para a Colônia Penal Agrícola, unidade destinada ao regime semiaberto, há uma fila de espera de 1.037 presos. “Isso não é uma situação comum no resto do país. E percebemos que no Paraná isso não é uma situação pontual. Encontramos situações assim em todas as regiões do estado”, afirma Jorge. “Se uma dessas pessoas morre, o Estado vai ser chamado à responsabilidade”, alerta.
De acordo com as regras jurisprudenciais dos tribunais superiores brasileiros, quando faltam vagas no regime semiaberto o preso não pode deixar de ter o benefício por falha do Estado. Para esses casos recomendam-se duas alternativas: regime domiciliar ou liberar o preso durante o dia e recolhê-lo à cela do regime fechado durante a noite. “Enquanto não existir vaga, não pode ficar dia e noite preso, sem direito à semiliberdade”, diz Jorge.
A situação no estado é grave, concorda o procurador de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional das Pro­­mo­­­­­­torias de Justiça Criminal, do Júri e de Execuções Penais do Ministério Público, Ernani de Souza Cubas Júnior. “É uma irregularidade flagrante”, afirma. Mas a situação já vem sendo tratada pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), pondera o desembargador José Laurindo de Souza Netto, membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça e da diretoria da Asso­cia­­ção dos Magis­trados do Pa­­raná (Amapar). “Isso já vem sendo feito. Há um provimento para adaptar as condições do regime fechado para o regime semiaberto.”
Além da falta de vagas no sistema penitenciário, ocorre ainda outro problema verificado no estado. De acordo com Jorge, é comum dois processos de execução para o mesmo preso. Isso acontece porque são emitidas duas guias de execução, nos casos em que o réu é condenado em uma comarca em que não existe Vara de Execução Penal (VEP) e aguarda vaga para remoção. “Isso causa confusão na execução do processo. O TJ está vendo isso porque gerou muitos problemas”, afirma.
Carência de estrutura nas VEPs e sistemas de informática deficitários também foram problemas encontrados no estado. “Falta estrutura de pessoal. Há poucos servidores e sem qualificação. É necessário que o TJ dote melhor as Varas de Execução”, diz Jorge. Segundo Souza Netto, esse é um problema já conhecido. “As VEPs são as menos dotadas de estrutura, seja material ou humana”, comenta.
Um dos resultados deixados pelo mutirão é uma norma editada pelo CNJ que passou a valer para o país todo: a Resolução 108. De acordo com Jorge, verificou-se que no Paraná havia alvarás de soltura que demoravam até 60 dias para serem cumpridos. “Baixamos a resolução e os alvarás têm de ser cumpridos agora em 24 horas”, explica.
A reportagem procurou ouvir o TJ-PR sobre as conclusões do CNJ, mas a assessoria de imprensa informou não ter sido possível contatar o novo presidente, Celso Rotoli de Macedo , o único que poderia responder às questões.
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Motorista que não fez exame de sangue é absolvido

A Lei Seca nasceu com polêmicas e continua a ser alvo de discussões na Justiça e na sociedade. A cada nova decisão do Poder Judiciário, sobre a combinação álcool e direção, surgem alguns questionamentos. Como provar que o motorista realmente estava alcoolizado? Somete o teste do bafômetro é suficiente para se comprovar a embriaguez? Para a juíza Margot Chrysostomo Côrrea Begossi, da 1ª Vara Criminal de São Paulo, não.
Em um processo, defendido pelo advogado Rogério Fernando Taffarello, a juíza absolveu um motorista porque não foi feito exame de sangue. Ela afirmou que seria necessário comparar a quantidade de álcool indicada no teste de bafômetro e no exame de sangue, o que não foi possível. A perita do Instituto Médico Legal informou que existe relação entre os valores, mas não uma tabela.
Na sentença, a juíza dise que é inegável que a Lei Seca conseguiu reduzir o número de acidentes decorrentes de embriaguez ao volante, porém, com o passar do tempo, surgiram algumas questões. Ela afirmou que a nova lei pretende forçar o motorista a fazer o teste do bafômetro. Entretanto, lembra, a Constituição Federal diz que o cidadão não é obrigado a produzir provas contra si mesmo. Margot Begossi foi enfática ao dizer que “a segurança garantida pelo Poder Judiciário é a segurança jurídica, não a segurança pública. Esta última fica a cargo do Poder Executivo”.
A Lei Seca (11.705/08) reduziu o limite de álcool no sangue de 0,6mg/L para 0,2mg/L. Pela lei, a embriaguez poderá ser medida pelo bafômetro, em substituição ao exame de sangue. Mas, segundo Margot Begossi, a falta de uma tabela que compare a quantidade de álcool no sangue nos dois tipos de teste é um ponto que ainda precisa ser esclarecido. “Não houve qualquer introdução explicativa no que toca a norma editada pelo Poder Executivo, mais especificamente quanto aos parâmetros científicos utilizados para se concluir que três décimos de miligrama por litro de ar expelido pelos pulmões equivale ao limite legal definido por lei, ou seja, concentração de seis decigramas no sangue”, disse.
“Com efeito, profundo é o desapreço à possibilidade de o Poder Executivo outorgar ‘equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização de crime tipificado’ (parágrafo único do artigo 360 do CTB). Um decreto mitigaria indevidamente o artigo 5ª da XXXIX, da CRFB”, ressaltou. Ao criticar a lei, a juíza lembrou que nem mesmo Medida Provisória poderia alterar o Código Penal. “Inviável que um mero ato do executivo, não sujeito à chancela legitimadora congressual, regulasse a questão do grau de alcoolemia acarretando efeitos criminógenos, criando um novo tipo penal”, lamentou.
Para a juíza, sem o exame de sangue não existe prova material suficiente que comprove que o motorista estava com álcool no corpo acima do permitido pela lei. Para ela, o bafômetro capta apenas ar expelido pelo pulmão, quando o mais adequado seria a prova colhida diretamente do sangue. Além disso, no caso, o exame do bafômetro feito apontou que o motorista tinha 0,5mg/L. A juíza lembrou que essa quantidade está dentro do limite do Código de Trânsito Brasileiro, de 0,6mg/L. Esse também foi um dos fundamentos para a juíza absolver sumariamente o acusado.
Leia aqui a decisão de absolvição.
Processo 011.09.000130-4

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Depoimento da vítima não justifica Ação Penal

O depoimento não vale por si só como indício para que a Justiça aceite Ação Penal. A inicial da acusação deve estar recheada de elementos informativos que justifiquem sua admissibilidade. Com esse entendimento, o desembargador do Geraldo Prado, da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, rejeitou denúncia feita pelo Ministério Público por insuficiência de indícios da autoria de crime.
Após ser roubada, a vítima registrou queixa em uma delegacia de polícia. Em seu depoimento, disse não poder reconhecer e nem descrever o culpado por estar muito nervosa. Uma semana depois, foi convidada a comparecer à delegacia. Através de uma fotografia, reconheceu o acusado baseada em sua estatura e "seu comportamento em agir, pois se comportava tranquilo e não se apavorava nas suas ações criminosas".
Na delegacia, o acusado confessou à polícia a prática de roubo na mesma região em que aconteceu o episódio. Devido à localidade, o réu afirmou que muito provavelmente praticou esse crime.
Para o desembargador Geraldo Prado, esses dados não são suficientes e a contrariedade no depoimento da autora da ação é substancial. Ele afirma que basear o processo nessas informações seria "uma questão de fé". "De um lado, estão suas declarações prestadas logo após o crime, em que afirma categoricamente a impossibilidade de reconhecer o acusado; e de outro, aquelas fornecidas em momento posterior, em que o réu é identificado por fotografia, quando a memória visual, a rigor, já estaria afetada pelo tempo."
O desembargador destaca que a denúncia precisa trazer demonstração sólida do crime. "A inexistência ou a insuficiência dos indícios de autoria da infração penal, por sua vez, imporá a rejeição da denúncia por falta de justa causa, na medida em que o chamado status dignitatis é atingido pela simples instauração do processo penal."
Geraldo Prado ainda destaca que a justa causa é uma condição essencial e garantia contra o uso abusivo do poder de acusar. "É que depois de 1988 o processo penal ganhou uma nova e importante função, qual seja, a de servir de instrumento a serviço da realização do projeto democrático."
Por fim, o desembargador defende que se há dúvida quanto à legitimidade da justa causa, é porque há dúvida sobre a legitimidade da acusação. "Caso o magistrado tenha dúvida quanto à sua existência, não deverá autorizar o exercício da Ação Penal."
Clique aqui para ler a decisão da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que rejeitou denúncia baseada em depoimento da vítima.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Ministro suspende pena por receptação qualificada

Punir quem comete crime de receptação qualificada de forma mais severa do que o autor de receptação simples afronta diretamente o princípio da proporcionalidade. Isso porque o primeiro supõe mero dolo indireto eventual. Ou seja, a pessoa não quer cometer o crime diretamente. Contudo, assume o risco de produzi-lo. No segundo caso, o crime é cometido por um indivíduo consciente de sua prática ilegal.
Com esse entendimento, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu cautelarmente a pena imposta a quatro homens condenados pelo Superior Tribunal de Justiça pelo delito de receptação qualificada. O STJ levou em conta o artigo 180 do Código Penal, que prevê os crimes de receptação e receptação qualificada. No caso simples, a lei estabelece pena mínima de 1 ano e máxima de 4 anos. Na qualificada, a pena vai de vai de 3 a 8 anos.
Celso de Mello entende que a regra ofende o princípio da proporcionalidade. “Vê-se que o legislador brasileiro — ao combinar pena mais leve a um delito mais grave e ao punir, com maior severidade, um crime revestido de menos gravidade — atuou, de modo absolutamente incongruente, com evidente transgressão ao postulado da proporcionalidade”, observou.
O relator do caso lembrou, ainda, que esse entendimento prevalece no Supremo, que “por mais de uma vez, já advertiu que o Legislativo não pode atuar de maneira imoderada, nem formular regras legais cujo conteúdo revele deliberação absolutamente divorciada dos padrões de razoabilidade”.
Segundo Celso de Mello, o princípio da proporcionalidade visa exatamente inibir e neutralizar o abuso do Poder Público, especialmente no caráter legislativo. “Dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável.”
Leia a decisão de Celso de Mello.
HC 102.094