sexta-feira, 1 de junho de 2012

GRAVIDADE ABSTRATA DO CRIME, REINCIDÊNCIA E PRISÃO PREVENTIVA NA VISÃO DO STJ - DIREITO POR QUEM FAZ

Superior Tribunal de Justiça


Revista Eletrônica de Jurisprudência

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HABEAS CORPUS Nº 149.922 - PR (2009⁄0196322-1)



RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

IMPETRANTE : LEONARDO LOBO DE ANDRADE VIANNA

IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ

PACIENTE : OSVANIL APARECIDO PELEGRINI (PRESO)



EMENTA



PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. CRIME CONTINUADO. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA OBTIDA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DECRETADA. GRAVIDADE ABSTRATA DO CRIME. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA. OCORRÊNCIA. FALTA DE INDICAÇÃO DE ELEMENTOS CONCRETOS A JUSTIFICAR A MEDIDA. ORDEM CONCEDIDA.

1. A prisão processual deve ser configurada no caso de situações extremas, em meio a dados sopesados da experiência concreta, porquanto o instrumento posto a cargo da jurisdição reclama, antes de tudo, o respeito à liberdade. In casu, prisão provisória que não se justifica ante a fundamentação inidônea.

2. Ordem concedida a fim de que o paciente possa aguardar em liberdade o trânsito em julgado da ação penal, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de que o Juízo a quo, de maneira fundamentada, examine se é caso de aplicar uma das medidas cautelares implementadas pela Lei n.º 12.403⁄11, ressalvada, inclusive, a possibilidade de decretação de nova prisão, caso demonstrada sua necessidade.



ACÓRDÃO



Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, concedeu a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora." O Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior e a Sra. Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora convocada do TJ⁄PE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Og Fernandes.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior.



Brasília, 17 de maio de 2012(Data do Julgamento)





Ministra Maria Thereza de Assis Moura

Relatora







HABEAS CORPUS Nº 149.922 - PR (2009⁄0196322-1)



RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

IMPETRANTE : LEONARDO LOBO DE ANDRADE VIANNA

IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ

PACIENTE : OSVANIL APARECIDO PELEGRINI (PRESO)





RELATÓRIO



MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (relatora):



Cuida-se de habeas corpus, substitutivo de recurso ordinário, com pedido liminar, em favor de OSVANIL APARECIDO PELEGRINI, apontando-se como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (HC n.º 579.577-3).

Consta dos autos que o paciente foi preso em flagrante, em 30.12.2006, sendo-lhe concedida a liberdade provisória por este Superior Tribunal, no HC n.º 86.027⁄PR.

Ao final da instrução criminal, o acusado foi condenado, em 9.1.2008, à pena total de 9 (nove) anos, 2 (dois) meses e 7 (sete) dias de reclusão, no regime inicial fechado, mais 22 (vinte e dois) dias-multa, pela infração ao disposto no artigo 157, § 2.º, I e II, por quatro vezes, c.c. o artigo 71, ambos do Código Penal. Foi-lhe, ainda, decretada a prisão provisória.

Irresignada, a defesa ajuizou prévio writ, mas a ordem foi denegada. Eis a ementa do julgado (fl. 124):



"Habeas Corpus. Sentença condenatória que determina o recolhimento à prisão para recorrer. Réu reincidente. Fundamentação suficiente, nos termos do artigo 594, do Código de Processo Penal, vigente à época. Sentença proferida antes da revogação do dispositivo (Lei 11.719⁄2008). Manutenção. Ordem denegada.

Não é possível conceder o benefício do apelo em liberdade à paciente reincidente e portadora de maus antecedentes, circunstâncias categoricamente reconhecidas na sentença penal condenatória, não obstante, tenha respondido ao processo em liberdade, a teor do disposto no art. 594, do Código de Processo Penal. Precedentes do STF e do STJ. RHC 15759 ⁄ SP. Ministra LAURITA VAZ. QUINTA TURMA. 17⁄08⁄2004."



No presente writ, alega o impetrante que o juízo de primeiro grau decretou a prisão cautelar do paciente com fundamento no artigo 594 do Código de Processo Penal, o qual não foi recepcionado pela Constituição Federal.

Destaca que não se demonstrou a necessidade da custódia, a partir de elementos concretos extraídos dos autos.

Aduz que a gravidade do delito não pode ser invocada para a decretação ou manutenção da prisão preventiva.

Sustenta, em síntese, a falta de fundamentação idônea do decisum.

Cita precedentes desta Corte para corroborar sua tese.

Salienta que a decretação da segregação cautelar do paciente está impedindo sua progressão de regime em outro processo.

Requer, liminarmente e no mérito, a revogação da custódia cautelar do paciente, decretada nos autos da Ação Penal n.º 2007.0000116-9, em trâmite perante o Juízo da 3.ª Vara Criminal da Comarca de Londrina⁄PR.

Inicialmente, o mandamus foi distribuído ao Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, que suscitou a prevenção à fl. 159, a qual foi aceita (fl. 161), ocorrendo a redistribuição do feito à minha relatoria.

O pedido liminar foi, então, deferido (fls. 170⁄172) a fim de assegurar ao paciente o direito de recorrer em liberdade até a apreciação definitiva deste writ pela turma julgadora ou o trânsito em julgado da condenação, sob a ressalva de lhe ser decretada nova prisão caso demonstrada a necessidade. Foram, ainda, solicitadas informações à autoridade apontada como coatora, as quais foram prestadas às fls. 179⁄189 e ao Juízo de origem, acostadas às fls. 191⁄201.

Com vista dos autos, o Ministério Público Federal opinou, em parecer da lavra da Subprocuradora-Geral Helenita Caiado de Acioli (fls. 204⁄209), pela denegação da ordem.

Foi proferido despacho à fl. 214 solicitando informações complementares ao Colegiado estadual, acostadas às fls. 218⁄244 e 247⁄248.

Novo despacho foi prolatado (fl. 250) solicitando notícias ao Juízo de primeiro grau, juntadas fls. 254, 256⁄259 e 262⁄264.

Informações colhidas no sítio do Tribunal de origem dão conta de que o apelo defensivo ainda não foi julgado.

É o relatório.









HABEAS CORPUS Nº 149.922 - PR (2009⁄0196322-1)



EMENTA



PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. CRIME CONTINUADO. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA OBTIDA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DECRETADA. GRAVIDADE ABSTRATA DO CRIME. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA. OCORRÊNCIA. FALTA DE INDICAÇÃO DE ELEMENTOS CONCRETOS A JUSTIFICAR A MEDIDA. ORDEM CONCEDIDA.

1. A prisão processual deve ser configurada no caso de situações extremas, em meio a dados sopesados da experiência concreta, porquanto o instrumento posto a cargo da jurisdição reclama, antes de tudo, o respeito à liberdade. In casu, prisão provisória que não se justifica ante a fundamentação inidônea.

2. Ordem concedida a fim de que o paciente possa aguardar em liberdade o trânsito em julgado da ação penal, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de que o Juízo a quo, de maneira fundamentada, examine se é caso de aplicar uma das medidas cautelares implementadas pela Lei n.º 12.403⁄11, ressalvada, inclusive, a possibilidade de decretação de nova prisão, caso demonstrada sua necessidade.











VOTO



MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (relatora):



De início, cumpre ressaltar que estes autos foram a mim distribuídos por prevenção ao HC n.º 86.027⁄PR, impetrado também em favor do ora paciente, no qual a liberdade provisória foi-lhe concedida, por acórdão proferido pela Egrégia Sexta Turma desta Corte, em 12.8.2008. Eis a ementa do julgado:



"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO. 1. PRISÃO EM FLAGRANTE. PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. DECISÃO QUE NÃO ANALISA A NECESSIDADE DA MANUTENÇÃO DA CUSTÓDIA E A POSSIBILIDADE DE LIBERDADE PROVISÓRIA. ANÁLISE APENAS DA LEGALIDADE DA PRISÃO EM FLAGRANTE. NULIDADE. OCORRÊNCIA. MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS. NECESSIDADE. 2. ORDEM CONCEDIDA.

1. Não basta ao juiz fazer a simples análise da legalidade da prisão, cingindo-se a verificar o preenchimento das formalidades legais, especialmente quando é provocado por petição da defesa requerendo a liberdade provisória do preso, devendo, quando da comunicação da prisão em flagrante, justificar a manutenção da prisão, especificando os motivos que o levaram a entender incabível a liberdade provisória na espécie.

2. Ordem concedida para deferir a liberdade provisória ao paciente, mediante o compromisso de comparecimento a todos os atos do processo, expedindo-se alvará de soltura se por outro motivo não estiver preso."



Interposto pedido de extensão em favor dos corréus, o pleito restou indeferido nos termos desta ementa:



"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PEDIDO DE EXTENSÃO. 1. ORDEM CONCEDIDA A CO-RÉU. RECONHECIMENTO DA ILEGALIDADE DE DECISÃO QUE MANTEVE A PRISÃO EM FLAGRANTE. SITUAÇÕES DISTINTAS. 2. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA QUE NEGOU O APELO EM LIBERDADE SOB NOVOS FUNDAMENTOS. NOVO TÍTULO PARA A PRISÃO DE TODOS OS RÉUS. EXTENSÃO. IMPOSSIBILIDADE. 3. PEDIDO INDEFERIDO.

1. Tendo a ordem reconhecido a ilegalidade dos fundamentos utilizados em decisão que manteve a prisão em flagrante do paciente, não é possível a extensão aos requerentes se não houve pedido de liberdade provisória por parte destes.

2. Com a superveniência de sentença condenatória, na qual foi negado o direito de apelar em liberdade a todos os réus, inclusive o paciente, sob novos fundamentos, não subsiste a identidade de situações que poderia ensejar a extensão da ordem.

3. Pedido indeferido."



Passa-se, então, à análise da matéria posta na presente impetração.

A questão trazida a deslinde abarca o exame acerca da fundamentação empregada no encarceramento cautelar do paciente. Nesse âmbito, eis o dito pelo Juízo de origem, ao decretar a prisão provisória (fl. 46):



"(...)

In casu, na forma do art. 594, do CPP, os apenados não devem recorrer em liberdade tendo em vista suas reincidências, posto que o ilícito penal fora cometido com violência e crueldade, quer nos parecer.

Expeça-se o competente mandado de prisão aos que estiverem em liberdade, pois trata-se de réus reincidentes ao que consta no caderno criminal."



Impetrado prévio writ, o Colegiado estadual se pronunciou, na data de 25.6.2009, deste modo (fls. 125⁄128):



"O presente habeas corpus merece ser conhecido. No mérito, consoante será oportunamente analisado, há de ser negada a ordem.

Da análise dos autos, vê-se que o paciente foi preso em flagrante, mas, por meio do Habeas Corpus n° 86.027, o Superior Tribunal de Justiça lhe deferiu o pedido de liberdade provisória.

Sobreveio sentença em 09 de janeiro de 2008, condenando-o a 09 anos, 02 meses e 07 dias de reclusão e, nos termos do artigo 594, do Código de Processo Penal, considerando a sua reincidência, determinou o recolhimento à prisão para recorrer.

Hoje, com o advento da Lei n° 11.719, de 20 de junho de 2008, que empreendeu alterações em dispositivos do Código de Processo Penal, não se pode mais admitir sentença que deixe de fundamentar a manutenção ou deferimento da prisão cautelar, quando se mostrar necessário, sendo certo que o artigo 594, do mesmo diploma legal, acabou sendo revogado.

Porém, nota-se que a sentença condenatória sub examine foi proferida em 09 de janeiro de 2008, logo, antes das alterações processuais.

Sendo assim, não há que se falar em constrangimento ilegal na sentença, pelo fato de negar o direito de recorrer em liberdade com base no artigo 594, do Código de Processo Penal, posto que este dispositivo não se encontrava revogado à época.

O impetrante alegou constrangimento ilegal sustentando, também, a ausência de fundamentação, uma vez que a sentença não indicou a presença dos requisitos do artigo 312, do Código de Processo Penal, para o recolhimento do paciente à prisão.

No entanto, como se verificou acima, a sentença tomou por base o disposto no artigo 594, do Código de Processo Penal, para negar o direito de recorrer em liberdade, sendo que, à época, esse dispositivo se encontrava plenamente vigente.

A sentença reconheceu que o paciente é réu reincidente, sendo certo que, nesse caso, segundo o sistema processual brasileiro anterior à Lei n° 11.719⁄2008, não se admitia o direito de apelar em liberdade.

(...)

Portanto, como a sentença objurgada negou o direito do paciente recorrer em liberdade com suporte na reincidência, tal fundamentação, apesar de sucinta, foi idônea e suficiente para a sua prisão.

Note-se que o Superior Tribunal de Justiça, que havia deferido a liberdade provisória para que o paciente aguardasse solto a instrução criminal, modificou seu entendimento em 17 de fevereiro de 2009, ao julgar o pedido de extensão da liberdade provisória aos demais co-réus, deduzindo que 'diante das informações colhidas junto à Vara de origem, verifica-se que já foi prolatada a sentença, sendo condenados os requerentes, assim como o paciente, à pena de 9 anos, 2 meses e 7 dias em regime inicial fechado, tendo-lhes sido negado o direito de recorrer em liberdade, com base em nova fundamentação, notadamente na reincidência e na crueldade com que teria sido cometido o delito ... A situação não só dos requerentes mas também do próprio paciente Osvanil Aparecido Pelegrini foi alterada, com a alteração do título da prisão e dos fundamentos analisados por este Superior Tribunal' (STJ, Habeas Corpus n° 86.027⁄PR, Sexta Turma, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJ 16⁄03⁄2009).

Diante do exposto, voto no sentido de negar a ordem pleiteada."



Verifica-se que foi imposta a custódia provisória, essencialmente, em razão da suposta gravidade do delito, da reincidência e do disposto no artigo 594 do Código de Processo Penal.

Ora, há de ver que declinar, unicamente, tais dados, sem respaldo em circunstâncias colhidas da situação concreta, não se constituem elementos aptos a ensejar a prisão provisória.

Relativamente à atuação do acusado, eis o que se disse na exordial acusatória (fls. 28⁄29):



"(...)

Assim é que no dia 30 de dezembro de 2006, por volta das 18 horas e 30 minutos, os denunciados DIRCEU ANTONIO RAMOS, AILTON MODESTO DA SILVA e OSVANIL APARECIDO PELEGRINI, juntamente com seus outros dois comparsas, unidos de forma permanente e estável em quadrilha, e com distribuição de tarefas entre si, previamente mancomunados, unidos pelo mesmo propósito delituoso e com ânimo de assenhoreamento definitivo de coisa alheia, dirigiram se até o estabelecimento comercial 'Frigorífico Vale Verde', localizado na Rua Suindara, n° 20. Vila Vara, nesta cidade e Comarca. Lá chegando, os denunciados DIRCEU ANTONIO RAMOS, AILTON MODESTO DA SILVA e OSVANIL APARECIDO PELEGRINI, além dos outros dois elementos não identificados, com plena consciência da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, adentraram no estabelecimento e deram voz de assalto aos funcionários e clientes que se encontravam no local e, mediante grave ameaça, exercida com emprego de armas de fogo, as quais se encontravam em poder dos denunciados, subtraíram, para todos, a importância de R$ 340,00 em moedas, além de certa quantia em dinheiro, todos da empresa⁄vítima Frigorífíco Vale Verde; uma corrente de ouro com dois crucifixos, um aparelho celular marca Nokia modelo 6111 e uma carteira de couro cor preta contendo documentos pessoais, avaliados em R$ 1.540,00, da vítima Renato Silvério Bertoluci e uma pistola Taurus 380, (...), um carregador e um aparelho celular marca Motorolla, avaliados em R$ 2.200,00, da vítima Carlos Alberto Tognon.

Na seqüência, para empreenderem fuga do local, os denunciados DIRCEU ANTONIO RAMOS, AILTON MODESTO DA SILVA e OSVANIL APARECIDO PELEGRINI, além dos outros dois elementos não identificados, com plena consciência da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, renderam a vítima Cássio Luiz Saraiva Chaves e, mediante grave ameaça, consistente na utilização de armas de fogo, subtraíram, para todos, a camionete Toyota⁄Hylux, cor preta, ano 2006, (...) avaliada em R$ 160.000,00, evadindo-se do local em poder da res furtiva.

(...)"



É de ver que a atuação descrita é a necessária para a própria configuração do delito em questão - roubo circunstanciado. Com base nela indicar que a conduta delata maior reprovação é alicerçar em areia movediça tal consideração.

Não basta, igualmente, declinar apenas a reincidência do paciente para frustrar a liberdade. Com efeito, a circunstância já foi objeto de apreciação na segunda fase da dosimetria da pena, por ocasião do acréscimo da reprimenda pela agravante. Menciona-la sem o esteio de dados concretos, não atende ao disposto no artigo 93, IX, da Constituição Federal.

Ademais, a prisão foi determinada como medida de antecipação de pena, o que é vedado em um Estado que se quer democrático e de direito, nas palavras de Canotilho, um Estado antropologicamente amigo.

Saliente-se que mesmo antes da revogação do artigo 594 do Código de Processo Penal, promovida pela Reforma de 2008, a jurisprudência dos Tribunais Superiores e a melhor doutrina já proscreviam a chamada prisão decorrente de sentença condenatória recorrível, que invertia a lógica de que a liberdade é regra, obviando o cânone constitucional da desconsideração prévia de culpabilidade.

Cite-se, inclusive, o disposto no artigo 387 do Código de Processo Penal, com a redação prevista pela Lei n.º 11.719⁄08, o qual estabelece que a mantença da custódia, na sentença condenatória, está condicionada à adequada fundamentação, in verbis:



"Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória:

(...)

Parágrafo único. O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta."



Ao que se me afigura, debruçando-me sobre o caso em concreto, a prisão provisória não se sustenta, porque nitidamente desvinculada de qualquer elemento de cautelaridade.

Nunca é demais lembrar que a prisão processual deve ser configurada no caso de situações extremas, em meio a dados sopesados da experiência concreta, porquanto o instrumento posto a cargo da jurisdição reclama, antes de tudo, o respeito à liberdade.

Dúvida não há, portanto, de que a liberdade, antes do trânsito em julgado, é a regra, não compactuando com a automática determinação⁄manutenção de encarceramento. Pensar-se diferentemente seria como estabelecer uma gradação no estado de inocência presumida. Ora, é-se inocente, numa primeira abordagem, independemente da imputação. Tal decorre da raiz da idéia-força da presunção de inocência e deflui dos limites da condição humana, a qual se ressente de imanente falibilidade.

A necessidade de motivação das decisões judiciais – dentre as quais se insere aquela relativa ao status libertatis do imputado antes do trânsito em julgado – não pode significar, a meu ver e com todo o respeito dos votos contrários, a adoção da tese de que, nos casos de crimes graves, há uma presunção relativa da necessidade da custódia cautelar. E isso porque a Constituição da República não distinguiu, ao estabelecer que ninguém poderá ser considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, entre crimes graves ou não, tampouco estabeleceu graus em tal presunção. A necessidade de fundamentação decorre do fato de que, em se tratando de restringir uma garantia constitucional, é preciso que se conheça dos motivos que a justificam. É nesse contexto que se afirma que a prisão cautelar não pode existir ex legis, mas deve resultar de ato motivado do juiz.

Vê-se, portanto, que se limitou o magistrado a ressaltar a gravidade abstrata do delito e a traçar suposições acerca da conduta delitiva, sem indicar, contudo, qualquer elemento concreto a justificar a imposição de prisão antes do trânsito em julgado.

Trata-se de verdadeira afronta à garantia da motivação das decisões judiciais a decisão que justifica a prisão de tal forma. Como medida extrema, dotada de absoluta excepcionalidade, deve ser a prisão provisória justificada em motivos concretos, e, ainda, que indiquem a necessidade cautelar da prisão, sob pena de violação à garantia da presunção de inocência.

Assim, não havendo a indicação de elementos específicos do caso que, concretamente, apontem a necessidade da medida cautelar, não pode subsistir a decisão, por falta de motivação idônea.

Essa tem sido a orientação deste Superior Tribunal de Justiça, abominando-se a fundamentação da prisão calcada apenas em proposições genéricas:



"HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ART. 213, § 1.º, C.C. O ART. 14, INCISO II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA. MATÉRIA NÃO APRECIADA NA ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. CUSTÓDIA CAUTELAR MANTIDA COM BASE EM MERAS CONJECTURAS E NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO, SEM REFERÊNCIA A DADOS CONCRETOS. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA EXTENSÃO, CONCEDIDA.

1. Não formulada na impetração originária a tese de excesso de prazo na formação da culpa, não pode ser conhecida a matéria por esta Corte, sob pena de supressão de instância. Precedente.

2. A prisão cautelar somente é devida se expressamente justificada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do art. 312 do Código de Processo Penal.

3. Na hipótese, o magistrado teceu considerações abstratas no decisum impugnado, sem comprovar a existência dos pressupostos e motivos autorizadores da medida cautelar, com a devida indicação dos fatos concretos legitimadores de sua imposição, nos termos do art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, restando a prisão amparada, tão somente, na gravidade do delito, na alusão genérica à possibilidade de risco à instrução criminal, bem como em conjecturas acerca de suposta periculosidade do réu.

4. Já decidiu este Superior Tribunal de Justiça, em inúmeros julgados, no sentido de que '[...] a mera opinião do julgador sobre a gravidade do delito também não serve como fundamento a autorizar a medida constritiva da liberdade' (HC 42.303⁄RJ, 6.ª Turma, Rel. Min. PAULO GALLOTTI, DJe de 03⁄08⁄2009).

5. A afirmação de ser o acusado portador de transtornos mentais, sem nenhuma referência a elementos indicativos de sua periculosidade nos autos, não tem o condão de, por si só, justificar a prisão cautelar do Paciente, porquanto ausentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal. Precedente.

6. Outrossim, não há notícias nos autos de que o réu tenha se envolvido em outros atos delitivos de qualquer natureza.

7. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa extensão, concedido, para cassar a decisão que indeferiu a liberdade provisória ao Paciente, sem prejuízo de que outras medidas cautelares sejam adotadas pelo Juízo condutor do processo, conforme ressaltado no voto."

(HC 206.868⁄SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 06⁄09⁄2011, DJe 22⁄09⁄2011)



"HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA. ART. 312 DO CPP. GRAVIDADE ABSTRATA DA INFRAÇÃO.

1. A jurisprudência desta Corte tem proclamado que a prisão cautelar é medida de caráter excepcional, devendo ser imposta, ou mantida, apenas quando atendidas, mediante decisão judicial fundamentada (art. 93, IX, da Constituição Federal), as exigências do art. 312 do Código de Processo Penal. Isso porque a liberdade, antes de sentença penal condenatória definitiva, é a regra, e o enclausuramento provisório, a exceção, como têm insistido esta Corte e o Supremo Tribunal Federal em inúmeros julgados, por força do princípio da presunção de inocência, ou da não culpabilidade.

2. A fundamentação declinada pelo Magistrado de primeiro grau não indicou de que forma a liberdade do paciente colocaria em risco a ordem pública, a conveniência da instrução criminal ou a aplicação da lei penal. Procurou alicerçar a medida constritiva na gravidade abstrata do crime consubstanciada em expressões genéricas do tipo, 'apreensão no meio social', 'reflexos negativos e traumáticos na vida da sociedade', 'sentimento de impunidade e de insegurança', não afirmando, concretamente, de que forma a liberdade do paciente colocaria em risco a ordem pública.

3. Ademais, o fato de o delito ter sido amplamente noticiado na imprensa local e estadual, não é, por si só, fundamento suficiente para a determinação de segregação cautelar.

4. Ordem concedida."

(HC 206.726⁄RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 06⁄09⁄2011, DJe 26⁄09⁄2011)



"Processo de competência do júri (caso). Prisão preventiva (caráter provisório). Fundamentação (falta).

1. A prisão provisória só há de ser imposta por meio de decisão fundamentada, por exemplo, no caso da preventiva, o despacho (ou a decisão) que a decretar 'será sempre fundamentado'.

2. Tal é o que, de igual sorte, acontecerá com a decisão que, ao receber a denúncia, decreta a prisão preventiva, se e quando o juiz entender que, recolhido à prisão, o réu haverá de aguardar o julgamento pelo tribunal do júri.

3. Tratando-se de decisão (que fez recair prisão provisória sobre o réu) sem suficiente fundamentação, é de se reconhecer, daí, que o paciente sofre a coação ensejadora do habeas corpus.

4. Ordem concedida."

(HC 77.409⁄MG, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 07⁄02⁄2008, DJe 22⁄09⁄2008)



"HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. PRESERVAÇÃO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA.

1. A fundamentação das decisões do Poder Judiciário, tal como resulta da letra do inciso IX do artigo 93 da Constituição da República, é condição absoluta de sua validade e, portanto, pressuposto da sua eficácia, substanciando-se na definição suficiente dos fatos e do direito que a sustentam, de modo a certificar a realização da hipótese de incidência da norma e os efeitos dela resultantes.

2. A falta de demonstração, efetiva e concreta, das causas legais da prisão preventiva, caracteriza constrangimento ilegal manifesto, tal como ocorre quando o Juiz se limita a invocar a necessidade de garantir a ordem pública, sem base, contudo, em qualquer fato concreto.

3. O decreto de prisão preventiva há de substanciar-se no fato-crime e no homem-autor concretos, não bastando, como não basta, a invocação da gravidade abstrata do crime.

4. Ordem concedida."

(HC 80.870⁄PR, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 29⁄11⁄2007, DJ 11⁄02⁄2008 p. 1)



"PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PRISÃO PREVENTIVA. DECISÃO DO JUIZ SINGULAR BASEADA EM ELEMENTOS ABSTRATOS E GENÉRICOS. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 312 DO CPP. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA.

1. A prisão preventiva não é incompatível com o princípio fundamental da presunção de inocência, desde que a aplicação da medida esteja alicerçada em sólidos elementos.

2. No caso, o decreto prisional encontra-se fundamentado em considerações de ordem genérica, não apontando nenhuma circunstância concreta, relativa ao paciente, que levasse à necessidade de sua segregação, a não ser a gravidade abstrata da acusação sobre ele recaída. A simples referência a expressões como 'preservação da ordem pública' e 'repercussão social', ou ainda menção ao risco de reiteração, desvinculadas de dados concretos, não legitimam a decretação da custódia cautelar.

3. Incumbe ao magistrado singular o dever de bem fundamentar suas decisões, não cabendo ao Tribunal estadual, notadamente em sede de habeas corpus, ação constitucional que visa tutelar exclusivamente os direitos do réu, inovar na fundamentação, sanando eventual vício cometido em primeira instância, a fim de justificar a necessidade da medida extrema. Precedentes.

4. Ordem concedida para, confirmando a liminar, garantir ao paciente o direito de responder ao processo em liberdade, ressalvada a possibilidade de nova prisão ou imposição das medidas cautelares previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, se demonstrada sua necessidade."

(HC 207.717⁄CE, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 06⁄03⁄2012, DJe 22⁄03⁄2012)



"Sentença condenatória (expedição de mandado). Prisão (caráter provisório). Réu solto (caso). Apelação em liberdade (possibilidade). Recursos (esgotamento). Condenação (trânsito em julgado).

1. Antes de a sentença penal condenatória transitar em julgado, a prisão dela decorrente tem a natureza de medida cautelar, a saber, de prisão provisória – classe de que são espécies a prisão em flagrante, a temporária, a preventiva, etc.

2. Presume-se que toda pessoa é inocente, isto é, não será considerada culpada até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, princípio que, de tão eterno e de tão inevitável, prescindiria de norma escrita para tê-lo inscrito no ordenamento jurídico.

3. É da jurisprudência da 6ª Turma do Superior Tribunal que o réu, já em liberdade, em liberdade permanecerá até que se esgotem os recursos de índole ordinária e extraordinária.

4. Ordem de habeas corpus concedida em parte, para que o paciente permaneça em liberdade até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória."

(HC 54.602⁄MG, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 18⁄10⁄2007, DJe 31⁄03⁄2008)



Ante o exposto, em consonância com o externado por ocasião da análise da liminar, concedo a ordem a fim de que o paciente possa aguardar em liberdade o trânsito em julgado da Ação Penal n.º 2007.0000116-9, em trâmite perante a 3ª Vara Criminal da Comarca de Londrina⁄PR, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de que o Juízo a quo, de maneira fundamentada, examine se é caso de aplicar uma das medidas cautelares implementadas pela Lei n.º 12.403⁄11, ressalvada, inclusive, a possibilidade de decretação de nova prisão, caso demonstrada sua necessidade.

É como voto.









CERTIDÃO DE JULGAMENTO

SEXTA TURMA

Número Registro: 2009⁄0196322-1

HC 149.922 ⁄ PR



MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 200700001169 5795773



EM MESA JULGADO: 17⁄05⁄2012





Relatora

Exma. Sra. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA



Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR



Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. PAULO EDUARDO BUENO



Secretário

Bel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA



AUTUAÇÃO



IMPETRANTE : LEONARDO LOBO DE ANDRADE VIANNA

IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ

PACIENTE : OSVANIL APARECIDO PELEGRINI (PRESO)





ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra o Patrimônio - Roubo Majorado



CERTIDÃO



Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:



"A Turma, por unanimidade, concedeu a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora."

O Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior e a Sra. Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora convocada do TJ⁄PE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Og Fernandes.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior.



Documento: 1148809 Inteiro Teor do Acórdão - DJe: 28/05/2012