sexta-feira, 28 de maio de 2010

STJ anula decisão de Juiz que determinou oitiva de testemunha sem pedido de parte

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou decisão de juiz que determinou, de ofício, oitiva de testemunha que não havia sido arrolada nem pela acusação nem pela defesa. Embora reconheçam a iniciativa probatória do juiz, os ministros entenderam que essa atividade somente deve ser exercida a partir da existência de dúvida razoável sobre ponto relevante do processo, mas que não é aceitável a adoção de posição supletiva à do órgão de acusação. O tema foi discutido no julgamento de habeas corpus impetrado por um homem acusado de falsificação de documento público. Sua defesa sustentou a tese de crime impossível, sob o fundamento de falsificação grosseira incapaz de produzir lesão. Nenhuma testemunha foi arrolada pela defesa ou pelo Ministério Público. A oitiva foi determinada pelo juiz. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região negou o habeas corpus do acusado com base no artigo 209 do Código de Processo Penal, que permite ao juiz determinar, de ofício, a inquirição de pessoas não arroladas como testemunhas pelas partes. “Na busca da verdade real, o juiz possui poderes de iniciativa probatória, sem que isso importe violação ao dever de imparcialidade”, entenderam os magistrados. O relator do habeas corpus no STJ, ministro Nilson Naves, entendeu de outra forma. Para ele, as provas requeridas por juiz só podem ser aceitas se comprovada a sua necessidade e pertinência, e apenas quando se destinarem a esclarecer pontos e questões surgidas de fatos e circunstâncias apurados na instrução. “A meu ver, a atuação probatória do magistrado deve dar-se de modo excepcional. Se o julgador atua de forma a determinar a produção da prova quando está em dúvida, sua atitude viola os princípios do juiz natural e da imparcialidade”, afirmou Naves. Após o voto do relator concedendo o habeas corpus para anular o processo a partir da decisão do juiz, a ministra Maria Thereza de Assis Moura pediu vista. Na retomada do julgamento, já sem a participação do ministro Naves, em razão de sua recente aposentadoria, todos os membros da Sexta Turma acompanharam o voto do relator.

Acórdão do TRF-2 sobre suspensão condicional do processo

A suspensão condicional do processo está prevista na lei 9.099/95 em seu art. 89. É importante ressaltar que o instituto não está restrito aos crimes de menor potencial ofensivo, podendo ser aplicado a alguns crimes de médio potencial ofensivo. Seus princípios são: a autonomia da vontade do acusado, pois o acusado deve aceitar a proposta de suspensão condicional feita pela parte contrária, presunção de inocência, visto que não há confissão nem reconhecimento de culpa pelo acusado e discricionariedade regrada, porque não se afasta a ação penal, mas se propõe um caminho diverso.
O mecanismo alternativo da suspensão do processo está ligado à idéia de desburocratização da justiça penal, trazendo mais eficiência a seu procedimento. Durante o lapso da suspensão o acusado encontra-se no período de provas e deve cumprir determinadas obrigações, caso as desempenhe corretamente, terá sua punibilidade extinta.
Devemos atentar para o habeas corpus nº 2009.02.01.017312-1 do TRF-2, que trata da pretensão dos pacientes apresentarem sua defesa prévia sobre a justa causa da ação penal antes de sua resposta acerca da proposta de suspensão condicional do processo.
Clique aqui para ver a íntegra do acórdão.

Juiz terá que explicar prisão preventiva de 91 pessoas de forma genérica

A fundamentação da prisão preventiva não pode, em hipótese alguma, se basear em conjecturas, em proposições abstratas. Deve ser resultado de fatos concretos. Com essas considerações, o desembargador Tourinho Neto, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, cassou os mandados de prisão de 91 pessoas suspeitas de prática de crimes ambientais em Mato Grosso. Ele ressaltou ainda que o decreto de prisão cautelar é medida de exceção e só pode ser usada em situações em que se faz realmente necessária.
A Operação Jurupari foi deflagrada, na sexta-feira (21/5), pela Polícia Federal para reprimir crimes ambientais, como extração, transporte e comércio ilegal de produtos da Amazônia. As principais irregularidades apontadas são fraudes na concessão de licenciamentos e autorização de desmatamentos. As investigações começaram há dois anos e PF apurou irregularidades praticadas em pelo menos 68 empreendimentos e propriedades rurais.
Entre os presos estavam a mulher do deputado estadual José Riva, Janete Riva; o ex-secretário de Meio Ambiente do Estado, Luís Henrique Daldegan; e também o chefe de gabinete do governador Silval Barbosa, Silvio César Corrêa Araújo.
Tourinho Neto cassou a determinação do juiz Julier Sebastião da Silva, da 1ª Vara Federal de Mato Grosso, que decretou a prisão preventiva de todos os suspeitos investigados pela Operação Jurupari, da Polícia Federal. O desembargador também mandou o juiz especificar as razões do decreto.
O advogado Eduardo Mahon informou que Tourinho Neto analisou mais de dez Habeas Corpus simultaneamente para cassar os mandatos e extendeu a decisão para todos os réus. Mahon e o advogado Marcos Gattass defendem um dos acusados.
Dos 91 acusados, apenas 36 entraram com pedido de Habeas Corpus no TRF-1. Dos acusados de envolvimento no crime ambiental, 64 pessoas estavam detidas e as demais foram consideradas foragidas. Com a decisão, a Interpol e a Polícia Federal cessarão as buscas pelos foragidos, como informou o jornal Diário de Cuiabá.
"A prisão provisória não é sanção, não é castigo, não é um punir. A prisão preventiva é acautelatória", destacou o desembargador. Para ele, Julier da Silva não demonstra que os supostos fatos criminosos vão se reproduzir caso os réus permaneçam em liberdade. "Não demonstrou o ilustre juiz quais as condutas que foram repetidas e por quem”, ressaltou. E continuou: "Garantia de ordem pública é uma medida, até certo ponto, de segurança: evitar a continuação da prática do crime. Mas, é preciso que fique demonstrado que o indiciado ou o acusado continuam a praticar crimes. Não baste a presunção".
Julier da Silva baseou sua decisão no artigo 312 do Código de Processo Penal, que prevê a prisão cautelar quando for necessária para garantir a ordem pública, econômica e para "assegurar a aplicação da lei penal". "Nota-se que os nominados retro, empresários, servidores públicos e responsáveis técnicos são membros de uma verdadeira organização criminosa", disse o juiz.
De acordo com Tourinho Neto, o decreto não especifica os atos praticados pelos investigados. "Qual deles mantém 'a prática de fraudes em documentos e demais tipos legais'? Quais fraudes que continuam sendo praticadas? Nada se diz", questiona.
O relator do processo no TRF-1 afirma que o juiz deixou a sociedade alardeada. Ele chego a citar a repercussão da população. "Não estava, segundo a decisão, havendo nenhum abalo à ordem. A decisão é que causou intranquilidade no meio social. A prisão por atacado causou estardalhaço indevido sobre os possíveis crimes cometidos. Foi a prisão que causou abalo emocional na sociedade mato-grossense, segundo noticia a mídia, falada e escrita."
O desembargador ainda faz uma comparação entre a quantidade de páginas do decreto de prisão preventiva e o número de folhas que o juiz usou para justificar a decisão. "O decreto está lavrado em 100 folhas. Dessas folhas, o MM Juiz a quo dispensou apenas cinco para justificar a necessidade de prisão preventiva dos investigados."
Leia a decisão do desembargadorLeia decreto de prisão do juiz Julier da Silva: Decreto 1 e 2

Supremo Tribunal Federal afasta Súmula 691 e concede liberdade provisória a empresários

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, afastou a aplicação da Súmula 691 e concedeu o relaxamento de prisão aos empresários Renato Carlos de Souza e Renato Carlos de Souza Júnior. Eles estão presos preventivamente desde dezembro de 2007 sob acusação de fraude fiscal.
Agora, os réus vão poder responder em liberdade ao processo que é movido contra eles na 33ª Vara Criminal do Rio de Janeiro. A decisão tem validade até o julgamento do mérito do HC no STF.
Os empresários foram presos durante a Operação Propina, desencadeada pela Coordenadoria Especial de Combate à Sonegação Fiscal. A operação desmontou uma quadrilha de 78 empresas do Rio de Janeiro. De acordo com as investigações, juntas, elas deixaram de recolher cerca de R$ 1 bilhão em tributos. Os empresários foram presos temporariamente em novembro passado. Em dezembro, tiveram prisão convertida em preventiva.
Os acusados, pai e filho, contestaram decisão do ministro Raphael de Barros Monteiro, presidente do Superior Tribunal de Justiça, que negou a liberdade em pedido semelhante. Um outro pedido igual foi negado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
O ministro lembrou que o STF tem, em caráter extraordinário, admitido o afastamento da Súmula quando a decisão questionada diverge da jurisprudência predominante no tribunal ou então se há abuso de poder ou de manifesta ilegalidade.
O ministro considerou que a decisão de decretar a prisão dos réus “apoiou-se em elementos insuficientes, destituídos de base empírica idônea, revelando-se, por isso mesmo, desprovida de necessária fundamentação substancial”. Ele lembrou que a prisão cautelar é excepcional, não tem caráter punitivo e é um instrumento destinado a atuar “em benefício da atividade desenvolvida no processo penal”.
Diante disso, considerou que os fundamentos usados na decisão da 33ª Vara Criminal da Comarca do Rio de Janeiro “conflitam com os estritos critérios que a jurisprudência do STF consagrou nesta matéria”. E completou: “a gravidade do crime não basta para justificar a privação cautelar da liberdade individual do réu”.
Os empresários informaram que são únicos donos da empresa com filiais nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia e dão emprego para cerca de 300 funcionários, que agora estão ameaçados de ficar desempregados. Eles afirmaram no HC que somente no mês de outubro, a empresa recolheu aos cofres estaduais R$ 316.476,42 em impostos e sustentaram que a prisão do pai é “desumana” porque ele tem 72 anos.
A decisão do ministro se estendeu aos outros investigados na operação.
HC 93.790

quinta-feira, 27 de maio de 2010

LEGÍTIMA DEFESA REAL

1 INTRODUÇÃO

A legítima defesa representa uma conquista da civilização, paira acima dos códigos como uma exigência natural, a um instinto que leva o agredido a repelir a agressão a um seu bem tutelado, mediante a lesão de um bem do agressor. Constitui a forma primitiva de reação contra um injusto.

Segundo o magistério Cezar Roberto Bitencourt[1] a legítima defesa se deve ao reconhecimento do Estado da sua natural impossibilidade de imediata solução de todas as violações da ordem jurídica, e objetivando não constranger a natureza humana a violentar-se numa postura de covarde resignação, permite, excepcionalmente, a reação imediata a uma agressão injusta, desde que atual ou iminente, que a dogmática jurídica denominou legítima defesa.




2 FundamentoS e natureza jurídica

A legítima defesa apresenta um duplo fundamento: de um lado, a necessidade de defender bens jurídicos perante uma agressão injusta; de outro lado, o dever de defender o próprio ordenamento jurídico, que se vê afetado ante uma agressão ilegítima[2].
Sem dúvida o exercício da legítima defesa constitui uma garantia ao cidadão que retira o caráter criminoso da conduta ou da omissão contra uma agressão injusta, ilegítima, não autorizada pelo ordenamento jurídico. Quem se defende de uma agressão injusta, atual ou iminente, age conforme ao Direito, praticando, portanto, uma ação reconhecida como valiosa, legítima, por fim.

3 Conceito e requisitos

Luiz Flávio Gomes[3] define legítima defesa como o poder conferido ao agente que está sendo agredido injustamente de sacrificar o bem do agredido. Ou segundo o Direito, entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem (CP, art. 25).

A legítima defesa exige a presença simultânea dos seguintes requisitos: agressão injusta, atual ou iminente; defesa de direito próprio ou alheio; meios necessários usados moderadamente; elemento subjetivo; animus defendendi. Este último é um requisito subjetivo; os demais são objetivos.

4 Agressão injusta, atual ou iminente

Define-se agressão como conduta humana que lesa ou põe em perigo um bem ou interesse juridicamente tutelado. Em suma, agressão humana significa ataque humano dirigido contra bens jurídicos legitimamente defensáveis. Cumpre esclarecer que somente a ofensa humana é que permite legítima defesa, logo, o ataque de um animal irracional não constitui legítima defesa, mas estado de necessidade. A agressão precisa ser injusta, ou seja, ilícita, não necessariamente típica. Exemplificando: diante de um flagrante de um furto de uso (conduta atípica) de um veículo o proprietário do mesmo está legitimado a reagir na defesa de seu bem jurídico (patrimônio), face o ataque injusto, ilegítimo, ilícito, mas não necessariamente típico. A agressão autorizadora da reação defensiva, não necessita revestir-se da qualidade de crime, basta que seja injusta, um ato ilícito. Injusta será a agressão que não estiver protegida por uma norma jurídica, isto é, não for autorizada pelo ordenamento jurídico. A reação a uma agressão justa não caracteriza legítima defesa, como por exemplo, reagir a uma regular prisão em flagrante ou a ordem legal de funcionário público etc. . O raciocínio é lógico: se a agressão (ação) é lícita, a defesa (reação) não pode ser legítima, pois é a injustiça ou ilicitude da agressão que legitima a reação do agredido. Por outro lado, deve-se examinar a ação injusta objetivamente, e não analisar o autor da agressão uma vez que o inimputável também pode praticar condutas ilícitas ensejando de maneira legítima a reação defensiva. Não há dúvida que cabe legítima defesa contra ataque de menor, de louco...

Por último, a agressão precisa ser atual (que está acontecendo) ou iminente (prestes a acontecer; atos preparatórios muito próximos da execução já autorizam a legítima defesa). A reação do agredido para caracterizar-se a legítima defesa deve ser sempre preventiva: deve, prioritariamente, impedir o início da ofensa ou, então, a sua continuidade, desde que esta, se não for interrompida, produzirá dano maior. Como afirmava Bettiol[4] a legítima defesa deve exteriorizar-se antes que a lesão ao bem tenha se produzido”. A ação exercida após cessado o perigo caracteriza vingança que é penalmente reprimida. Igual sorte tem o perigo futuro que possibilita a utilização de outros meios, inclusive a busca de socorro da autoridade pública.

Impõe-se analisar com cuidado cada caso concreto, para se diferenciar a agressão futura da iminente. Com efeito, enquanto perdurar a agressão (crimes permanentes, por exemplo) sempre é cabível a justificante. Num seqüestro, por exemplo, enquanto a vítima encontrar-se em poder dos criminosos, cabe legítima defesa própria ou de terceiro.

O chamado duelo não preenche os requisitos da legítima defesa, porquanto, quem aceita duelar não atua em legítima defesa, porque nessa situação não há uma agressão inevitável atual ou iminente, e sim futura, ninguém atua para se defender, e sim ambos são agressores. A agressão precisa ser imediata.


5 Defesa de direito próprio ou alheio

Qualquer bem jurídico pode ser defendido legitimamente (vida, patrimônio, integridade corporal, liberdade sexual, honra, etc.) sendo irrelevante a distinção entre bens pessoais ou impessoais. Considerando, porém, a titularidade do bem jurídico protegido por este instituto, pode-se classificá-lo em: próprio ou de terceiro, que autorizam legítima defesa própria, quando o repelente da agressão é o próprio titular do bem jurídico ameaçado ou atacado, e legítima defesa de terceiro, quando objetiva proteger interesses de outrem.

Pode-se agir em defesa de um animal, que integra o patrimônio de seu dono, e ademais, merece ser protegido de ataques ilícitos. Mas a reação precisa ser proporcional, como veremos. Também é sustentável (LUIZ FLÁVIO GOMES) a tese de que inclusive um direito coletivo pode ser defendido (defesa da ecologia, por exemplo). De qualquer modo, não pode haver excesso.

6 Meios necessários, usados moderadamente (proporcionalidade)

A reação, a repulsa, para ser legítima, precisa ser realizada com os meios necessários e proporcional a agressão. O Estado exige que essa legitimação excepcional obedeça aos limites da necessidade e da moderação. A configuração de uma situação de legítima defesa está diretamente relacionada com a intensidade e gravidade da agressão, periculosidade do agressor e com os meios de defesa disponíveis. No entanto, não exige uma adequação perfeita, milimetrada, entre ataque e defesa, para se estabelecer a necessidade dos meios e a moderação no seu uso. Reconhece-se a dificuldade valorativa de quem se encontra emocionalmente envolvido em um conflito no qual é vítima de ataque injusto. A reação ex improviso não se compatibiliza com uma detida e criteriosa valoração dos meios necessários à repulsa imediata e eficaz.

A nossa lei penal não menciona o quesito proporcionalidade mas faz duas indicações nessa direção: a) repulsa com os meios necessários; b) moderação na repulsa.

Necessários são os meios suficientes e indispensáveis para o exercício eficaz da defesa. Se o sujeito ataca a socos, por exemplo, em princípio , a reação não pode ser armada (não é necessário arma para se defender de ataque a mãos limpas) Mas tudo isso é relativo. Dependendo de quem é a pessoa que ataca e de quem se defende, pode ser necessário o emprego de arma de fogo. Por exemplo, ataques a socos de um lutador de boxe lógico que vai permitir à vítima (inferiorizada corporalmente) reação armada (proporcional). Ataque de um lutador de artes marciais da mesma forma, autoriza a reação armada, diante da insuficiência da reação por mãos limpas, sendo necessário um meio mais eficaz. Na hipótese de a vítima ser paraplégica como poderá reagir de ataques de socos e pontapés senão com emprego de uma arma ou algo similar? Tudo dependerá do caso concreto.

Ainda, que o meio seja necessário, exige-se para a justificante o uso moderado da repulsa, especialmente quando se trata de único meio disponível e apresentar-se visivelmente superior ao que seria necessário. Como afirmava Welzel[5], a defesa pode chegar até onde seja requerida para a efetiva defesa imediata, porém, não deve ir além do estritamente necessário para o fim proposto”. O direito à legítima defesa encontra limites na proibição geral do abuso do direito, no principio da proporcionalidade da ação e reação, pois uma defesa, cujas as conseqüências situam-se em crassa desproporção para com o dano iminente, é abusiva e, assim, inadmissível.
O equilíbrio na legítima defesa reside, destarte, na moderação da repulsa. O excesso decorre da imoderação.

No plenário do Júri, como sabemos, todos os requisitos eram desmembrados. Um deles residia sobre a necessidade do meio escolhido; outro diz respeito à moderação. Caso os jurados negassem o quesito da necessidade do meio, isso não significava o fim da legítima defesa; nessa hipótese o juiz devia fazer a votação da moderação, porque, afinal, o mais relevante é a moderação da reação (pouco importando o meio escolhido). Hoje como sabemos, o quesito é simplificado, nos casos de legítima defesa, sendo indagado aos jurados se resolvem absolver ou não o réu.

7 Elemento subjetivo: animus defendendi

O agente precisa atuar com consciência de que defende direito próprio ou alheio. O desvalor da ação (intenção de matar) desaparece quando o agente atua para a defesa de direitos. Nos dizeres de Welzel a ação de defesa é aquela executada com o propósito de defender-se da agressão. O que se defende tem de conhecer a agressão atual e ter a vontade de defender-se.

Segundo Bitencourt a reação legítima autorizada pelo Direito somente se distingue da ação criminosa pelo seu elemento subjetivo: o propósito de defender-se. Atua o agente com animus defendendi. Como afirmava Cerezo Mir[6], somente a presença dos elementos objetivos constitutivos de uma causa de exclusão da criminalidade não pode justificar uma ação ou omissão típica, se faltar o elemento subjetivo de dita causa justificante.

Assim, produzir a morte de alguém, dependendo das circunstâncias, motivos e, particularmente, do elemento subjetivo, pode configurar: homicídio doloso, homicídio culposo, legítima defesa real, legítima defesa putativa...




[1] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, volume I: parte geral – 14ª ed. rev., atual. e ampl.- São Paulo: Saraiva, 2009, pág. 340.
[2] Diego-Manuel Luzón Peña, Aspectos esenciales de la legítima defesa, Barcelona, Bosch, 1978, p. 58 e 79.
[3] Gomes, Luiz Flávio. Direito Penal: parte geral: volume 2/ Luiz Flávio Gomes, Antonio García-Pablos de Molina; coordenação Luiz Flávio Gomes. 2. tir. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
[4] Giuseppe Bettiol, Direito Penal, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1977, v.1, p. 417.


[5] Welzel, Derecho Penal alemán, pág. 125.
[6] Cerezo Mir, Curso de derecho Penal español, pág. 455.

Sexta Turma do STJ determina exclusão de fotografia de acusado em denúncia-crime

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus (88448) para excluir da denúncia a parte em que o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) fez constar a fotografia de um acusado como elemento identificador da peça acusatória. Segundo decisão unânime da Sexta Turma, a inserção da fotografia viola o direito de imagem e também “o princípio matriz de toda a ordem constitucional”: a dignidade da pessoa humana. A Defensoria Pública ingressou no STJ, em favor do acusado, contra um acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) que extinguiu o processo sem exame do mérito. A defesa questionava a inclusão da fotografia do acusado na denúncia, bem como a utilização da expressão “ação penal condenatória” na folha de rosto da peça acusatória. Segundo a Defensoria, só é possível apor imagem na ação penal se não houver identificação civil ou por negativa do denunciado em fornecer documentação pessoal. O TJDFT não examinou a matéria, pois considerou o habeas corpus inadequado, ressaltando que este deve ser utilizado apenas para quem sofre ou está na iminência de sofrer coação em seu direito de locomoção. O relator, ministro Og Fernandes, concluiu que a matéria não fere o direito de locomoção do acusado. No entanto, considerou que é desnecessária a digitalização de foto na denúncia, ainda mais quando o acusado já se encontra devidamente identificado nos autos. O ministro negou o pedido para excluir o termo “ação penal condenatória’, considerando que essa ‘é uma classificação dada à ação penal instaurada pelo Estado contra o acusado”, assinalou.

A inconstitucionalidade do Regime Disciplinar Diferenciado

O principio da dignidade da pessoa humana impede que o homem seja convertido em objeto dos processos estatais [1].

De tal forma, o Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do individuo contra exposição a ofensas ou humilhações e a submissão do homem a um processo judicial indefinido e sua degradação como objeto do processo estatal atentam contra o principio da proteção judicial efetiva e ferem o principio da dignidade humana [2]. Com o advento da Constituição Federal de 1988, tornou-se imperativa a re-análise de todo o ordenamento jurídico existente. Os preceitos proclamados pela Constituição, são, segundo o art. 5º, §1º, da CF, direta e imediatamente vinculantes, são normas pragmáticas (de aplicação imediata). Os valores (sociais, filosóficos e políticos) da nossa ordem constitucional, eriçados num novo núcleo axiológico antropocêntrico, da qual prepondera a dignidade da pessoa humana, nenhum ramo do direito ficou imune a necessidade de adequação de suas normas com a Lei Maior.

Em fevereiro de 2001, após a mega-rebelião nos presídios de São Paulo, de cobertura nacional pelos meios de comunicação, a Secretaria de Assuntos Penitenciários de São Paulo baixou a Resolução SAP, de 4-5-2001 regulamentando “a inclusão, permanência e exclusão dos presos no regime disciplinar diferenciado”, destinado a receber presos cuja conduta “aconselha tratamento específico, a fim de fixar claramente obrigações e as faculdades desses reeducandos”. O RDD – Regime Disciplinar Diferenciado passou a ser aplicável aos líderes e integrantes das facções criminosas, bem como aos presos cujo comportamento exija “tratamento específico”. Logo após este episódio, o Poder Executivo enviou ao Congresso um Projeto, alterando o art. 52, da Lei de Execução Penal[1]. A Lei n.° 10.792/2003 criou o assombroso Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), dispondo que o preso provisório ou condenado, quando pratica “falta disciplinar” ou “subversão da ordem”, estarão sujeitos ao regime disciplinar diferenciado, pelo prazo máximo de trezentos e sessenta dias, repetível até um sexta da pena aplicada, em cela individual, com visitas semanais de duas pessoas, com duração de duas horas, e com “direito” à saída da cela por duas horas diárias de banho de sol.

Entretanto, o art. 1º da Lei de Execução Penal, disciplina que “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. De outra sorte, a Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal ainda dispõe: “a correta efetivação dos mandamentos existentes nas sentenças ou outras decisões, destinados a reprimir e a prevenir os delitos, e a oferta de meios pelos quais os apenados e os submetidos às medidas de segurança venham a ter participação construtiva na comunhão social” [3].

Não obstante, o princípio da legalidade permeia toda Lei de Execução Penal “de forma a impedir que o excesso ou o desvio da execução comprometam a dignidade e a humanidade do Direito Penal” [4]. E em termos de disciplina a Lei consagra “o principio da reserva legal e defende os condenado e presos provisórios das sanções coletivas ou das que possam colocar em perigo sua integridade física, vedando, ainda, o emprego da chamada cela escura (art. 45 e §§)” [5].

Em síntese: o objetivo da Lei de Execução Penal é simplesmente desprezado pela atual redação de seu art. 52.

O regime disciplinar diferenciado agride o primado da ressocialização do sentenciado, vigente na consciência mundial desde o iluminismo, é pedra angular do sistema penitenciário nacional. O aludido regime diferenciado mais parece à repetição dos suplícios góticos da época medieval, com os mesmos ideais e discursos quiméricos.

Pronunciando-se sobre o tema, e eminente ministra do Superior Tribunal de Justiça Maria Thereza Rocha de Assis Moura assim entende sobre o regime diferenciado: “O castigo físico imposto ao condenado submetido ao regime disciplinar diferenciado viola a dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, inscrito no art. 1º, inciso III, da vigente Constituição da República. Mas, não pára aí a inconstitucionalidade. A Lei Maior assegura, como um dos princípios de suas relações internacionais, a prevalência dos direitos humanos (art. 4º), estando disposto no art. 5.2 da Convenção Americana dos Direitos Humanos, em vigor no Brasil, que “ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano” [6].

Como falar-se em “harmônica integração social do condenado” que está sujeito a permanecer 360 dias, prorrogáveis até 1/6 da pena aplicada, em cela individual, com visitas semanais de duas pessoas, com duração de duas horas, e com “direito” à saída da cela por duas horas diárias para banho de sol? É no mínimo um discurso desumano e que vulnera a nossa “Carta Cidadã” de 1988, que, como dito, lembra os calabouços medievais, numa bizarra tentativa de retribuir e não ressocializar.

[1] MAUNZ-DÜRIG, Grundgesetz Kommentar, Band I, München: Verlag C. H. Beck, 1990, 1I 18.
[2] MAUNZ-DÜRIG, Grundgesetz Kommentar, cit., 1I 18.
[3] item 13 da Exposição de Motivos.
[4] item 19 da Exposição e Motivos.
[5] item 77 da Exposição de Motivos.
[6] Notas sobre a Inconstitucionalidade da Lei 10.792/2003, que criou o Regime Disciplinar Diferenciado na Execução Penal, Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Publicado originalmente, em homenagem ao Prof. Sérgio Pitombo, na Revista do Advogado, publicação da Associação dos Advogados de São Paulo, ano XXIV, n.° 78, setembro de 2004, pp. 61 a 66.
[1] O projeto tramitou na Câmara dos Deputados sob n.° 5.073/01.

Interrupção da gravidez - anencefalia

O Supremo Tribunal Federal está em vias de examinar uma ação (ADPF 54) ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) na qual o tribunal discute a possibilidade de interromper a gravidez nos casos de anencefalia do feto, cujo julgamento deverá ocorrer no segundo semestre do corrente ano. O pedido merece trânsito, uma vez que o estágio atual da Medicina possibilita o diagnóstico da anencefalia com 100% de certeza, sendo tal enfermidade irreversível e letal em todos os casos, trazendo apenas sofrimento e dor aos familiares. Alguns setores desinformados da sociedade civil são contrários a real necessidade da interrupção terapêutica da gravidez de fetos sem atividade cerebral, diga-se, já mortos, como a Igreja Católica, que encontra-se na contra mão do mundo e do avanço da Ciência, basta lembrar que durante séculos a mesma Igreja Católica dizia que o sol girava em torno da terra... Acredito que a Ciência serve para termos uma qualidade de vida melhor e com menos sofrimento e dor, sou cristão e acredito na palavra, mas não posso concordar com dogmas antigos e sem fundamentos...

DESCASO DA JUSTIÇA - FALTA DE ANÁLISE DA PRISÃO EM FLAGRANTE

Há muito (desde a Lei 6.416/1977) existe expressa determinação legal para que os juízes criminais ao receberem o auto de prisão em flagrante apontar motivos concretos que justifiquem a prisão preventiva do conduzido, caso contrário deverá o magistrado, conceder liberdade provisória preso. Sucede, contudo, que a grande maioria dos juízes criminais não observam tal determinação legal, alegando para tanto, o grande volume de flagrantes existentes, a necessidade de examinar as certidões de antecedentes do preso, entre outras providências. Afronta-se com esse comportamento passivo, expressa determinação legal (art. 310, parágrafo único, do Código de Processo Penal) e ainda a dignidade da pessoa humana (art. 1º, II, CR/88), além de contribuir para o inchaço dos presídios e o aumento de prisões desnecessárias (prisões por furtos, por exemplo). No cotidiano, muitos detidos em flagrante permanecem reclusos por vários dias e meses até que um advogado requeira a sua liberdade provisória, quando já poderia ter sido concedida por iniciativa oficial nos casos em que for permitida. Em certas regiões do País a carência de profissionais da área jurídica é muito acentuada, agravando ainda mais a questão em análise. A falta de recursos para se contratar advogado também é outro ingrediente que contribui para o retardamento da concessão da liberdade provisória, provocando superlotação das carceragens das Delegacias de Polícia. Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça, editou a Resolução 66, que criou mecanismos de controle do judiciário sobre as prisões em flagrante, asseverando que ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá, imediatamente, ouvido o Ministério Público, fundamentar sobre I - a concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, quando a lei admitir II - a manutenção da prisão, quando presentes os pressupostos da prisão preventiva, sempre por decisão fundamentada e observada a legislação pertinente; ou III - o relaxamento da prisão ilegal. Ora, não seria necessário sequer tal resolução do CNJ, vez que, como dito, existe desde 1977 (há mais de 30 anos) lei expressa determinando o procedimento adequado a ser adotado pelo magistrado nas hipóteses de prisão em flagrante. O que falta não é lei e sim comprometimento das autoridades com o cidadão, com a pessoa humana qualquer ela que seja!
Fica a mensagem para a Ordem dos Advogados do Brasil, através de suas Subseções, e os meios de comunicação fiscalizarem/cobrarem do Poder Judiciário o cumprimento do que está na lei, é sob o pálio da lei que devemos conviver em sociedade respeitando o pacto social instituído desde Jean-Jacques Rousseau (Revolução Francesa), pela Constituição da República de 1988, e ainda pelo nosso Código de Processo Penal.

terça-feira, 25 de maio de 2010

A tortura invisível

A tortura permanece em nossa história porque ela é um fenômeno invisível, indizível, insindicável e impunível. Invisível porque ela ocorre em locais de pouco visibilidade social (distritos policiais, carceragens, penitenciárias, unidades de internação etc.), indizível porque poucas são as vítimas, e mesmo testemunhas, que têm coragem de denunciar a tortura, principalmente por medo de repressálias dos torturadores. Indizível também porque nenhum torturador jamais vai reconheçer ou assumir que as agressões a que submeteu o suspeito ou o preso se denominam tortura. A tortura é um crime insindicável porque, mesmo quando há denúncias, poucos são os casos devidamente apurados. As autoridades não se mostra dispostas a
investigar as denúncias ou apurar os fatos. Isso está relacionado principalmente ao fato de as autoridades responsáveis pelas investigações, serem, justamente, policiais. A tortura também é impunível porque são relativamente poucos os casos que chegam a ser processados na justiça e, mesmo quando o são, isto não significa a responsabilização dos acusados.