quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Preso que tem chip de celular não comete falta grave

O juiz não pode se prestar ao papel de paladino da segurança pública para atender o clamor das ruas que assim o exige. Assim como não se deve colocar em risco a garantia individual do cidadão só porque o Estado, como legislador, foi omisso nas suas funções. Com esse fundamento, a 12ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo mandou excluir a anotação de falta grave do prontuário de Wellington Rodrigues Ferreira de Oliveira, flagrado com um chip de telefone celular.
A tese aprovada, por unanimidade, pela turma julgadora foi a de que se o ato praticado pelo preso não tipifica nenhuma infração disciplinar, não há como o punir sem ferir o princípio da reserva legal. No caso, o sentenciado sofreu castigo pela prática de fato não previsto como infração disciplinar na Lei de Execuções Penais.
Em outras palavras: não há previsão legal a respeito da posse de acessórios de aparelho de telefone celular ser falta disciplinar de natureza leve, média ou grave. Logo, a punição não pode ser mantida por ausência de previsão legal, sob pena de violar o princípio constitucional da reserva legal.
A defesa Wellington entrou com recurso no tribunal contra decisão da juíza da 5ª Vara das Execuções Criminais de São Paulo. Ela entendeu que a guarda do chip de celular dentro do presídio se configurava prática de falta disciplinar de natureza grave. A juíza, então, determinou que o preso flagrado com o equipamento perdesse os dias remidos.
A defesa sustentou que não havia prova de autoria da infração disciplinar. Além disso, de acordo com a defesa, o chip supostamente encontrado com o preso não permitiria, isoladamente, a comunicação com outros detentos ou com pessoas de fora do presídio. E pediu que o TJ-SP reformasse a decisão e afastasse a anotação de falta grave do prontuário de seu cliente.
O advogado argumentou que a tese da juíza de execuções criminais não se sustentava porque, pela Lei de Execução Penal, só comete falta grave o condenado a pena privativa de liberdade que tiver em sua posse “aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo”.
A lógica que a defesa quis imprimir ao seu argumento foi o de que o chip de telefonia móvel encontrado em poder de seu cliente é um equipamento que, isolado, não permite a comunicação. E, seguindo esse raciocínio, não estaria configurada a infração disciplinar, impondo-se a absolvição.
O casoNo início de abril de 2009, Wellington foi flagrado na posse de um chip de telefone celular, dentro do presídio onde cumpre pena, por tráfico de drogas. A juíza que reconheceu a prática de falta disciplinar grave entendeu ser irrelevante que o preso estivesse na posse apenas do chip do celular e não do aparelho todo.
“O que importa é que referido objeto (chip) destina-se exclusivamente à comunicação com o meio externo, o que é vedado”, afirmou a juíza de execuções criminais.
A turma julgadora do Tribunal de Justiça entendeu que ela exagerou na interpretação da lei. Para os desembargadores, a execução penal é atividade complexa, que se desenvolve nos planos jurisdicional e administrativo.
De acordo com o relator do recurso, desembargador Vico Mañas, a aplicação da pena situa-se no campo do direito penitenciário, mas a proteção da efetiva aplicação da sanção penal é objeto do processo de execução, que guarda natureza jurisdicional e integra o direito processual.
O relator destacou que embora a Lei nº 11.466/07, ao alterar o artigo 50 da Lei de Execuções Penais, tenha criado nova modalidade de falta grave, não se pode querer alargar o alcance do novo dispositivo, nele inserindo a posse de mero chip para aparelho de telefonia celular.
“Ainda que o aparato seja destinado à comunicação, o fato é que, isoladamente, não é apto a permiti-la”, disse Vico Mañas. Para o relator, em matéria criminal não é permitido interpretação extensiva contra o acusado ou do condenado. No entendimento de Vico Mañas, o texto do artigo 50, VII, da LEP, como toda norma penal, é de caráter taxativo.
O relator acrescentou que o princípio da reserva legal também é vigente na execução penal. Segundo o desembargador, não há como negar que a prática de falta grave acarreta sérias restrições ao sentenciado, como a regressão de regime e a perda dos dias remidos, sanções de caráter nitidamente penal.
A tese sustentada por Vico Mañas já foi defendida na 12ª Câmara Criminal, turma que zela por teses garantistas. O desembargador Eduardo Pereira Santos já defendeu que o juiz não se prestará a impor sanção ou medida que fira o ordenamento jurídico e as garantias individuais como a da reserva legal para, deixando sua alta função que deve primar pela isenção, tomar partido e travestir-se na de bastião da segurança pública.

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