quarta-feira, 18 de novembro de 2020

AS ESCOLAS HERMENÊUTICAS E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA CONSTRUÇÃO E EVOLUÇÃO DO DIREITO

Para o filosofo alemão Friedrich Nietzsche, não há fatos, apenas interpretações. Costuma-se dizer que onde há o ser humano, há interpretações. A interpretação é uma arte, talvez a principal característica do ser humano, como seres pensantes, seria a capacidade de interpretar, de extrair de algo, seu sentido e sua intenção. O Direito, como ciência normativa, que prima pela busca do bem comum, dos valores, temos o intérprete e objeto (fato ou norma), e essa interação de interpretação e aplicação das normas jurídicas, resulta na hermenêutica. Podemos dizer, portanto, que a hermenêutica é uma teoria científica da arte de interpretar. Há história, a arte de interpretar e praticar a hermenêutica, vai evoluindo com os movimentos filosóficos e interpretativos, de cada período de nossa história, sendo interessante analisarmos alguns destes movimentos e sua importância para a hermenêutica contemporânea do século XXI, especialmente na interpretação e aplicação da norma jurídica. Com a evolução do pensamento racional, especialmente ocorrida no século XVI, o homem passou a se preocupar a compreender os fatos sociais, a interpretar a vida e as relações sociais. Um dos primeiros “movimentos interpretativos”, podemos mencionar é a Escola dos Glosadores, que perdurou do século XI até o XIII, onde os glosadores faziam a interpretação do Corpus Juris Civilis de Justiniano, direito privado à época, que era feito por meio de glosas, anotações marginais ao texto estuado. A Escola dos Comentaristas/Comentadores ou Pós-Glosadores, surgida no final do século XIII e séculos XIV e XV, veio após esse primeiro movimento dos glosadores, que estava orientada por finalidades marcadamente práticas, e procura adaptar o direito às necessidades normativas, sociais e econômicas da sociedade feudal nos fins da Idade Média. Este movimento interpretativo evolui da mera anotação dos glosadores, pois utilizam o método de comentar, através da dialética, o direito. Após esse segundo movimento interpretativo, mais científico do direito, os séculos XVI, XVII e XVIII, foi um período mais absolutista, principalmente no ambiente europeu, onde dominavam o absolutismo, monarquia. Somente no começo do século XIX, com a chamada Revolução Francesa e com a queda do absolutismo, passando a enxergar o homem como o centro do sistema, e principalmente com a promulgação do Código Civil Napoleônico (1804), é que a interpretação ganha novos contornos e escolas mais contemporâneas, podendo-se apontar três grandes correntes de interpretação: a) do estrito legalismo; b) reação ao estrito legalismo; c) interpretação livre. Nesse período a primeira escola que podemos mencionar é a chamada Escola da Exegese, surgida especialmente com a promulgação do Código Civil Napoleônico, em 1804, que buscava uma maior segurança jurídica, através de um corpo legislativo, que tenta regular toda esfera privada de forma isonômica para todas as pessoas e tentar controlar a total discricionariedade que existia no absolutismo. Nesse movimento interpretativo devemos mencionar a supervalorização do código, que não deixava margem para interpretação do julgador, se caracterizando pelo estrito cumprimento das normas legais. A vontade do legislador que imperava. No início do século XX, surge uma outra escola ou corrente interpretativa, chamada Escola de Viena, fundada por Hans Kelsen, que entendia o direito como um movimento positivista ou normativista, com conceitos puramente formais, separando o direito da moral, da filosofia, da política, O direito, especialmente após a segunda guerra mundial, ocorrida na segunda metade do século XIX, revelou que o positivismo já não era a melhor forma de interpretação jurídica e aplicação do direito, posto que preso ao texto frio da lei, sem qualquer conexão entre Direito e Moral, Direito e política. O filósofo Savigny fez uma forte oposição à Escola Exegética do século XIX, criando a Escola Histórica do Direito, sendo que para ele o Direito é parte de uma cultura geral de um Estado e de uma sociedade, dos usos e costumes da tradição popular, portanto, ocorre uma continuidade histórica e evolutiva do direito. O Direito para este pensador, tem um viés histórico-evolutivo, que deve ser atualizado de acordo com às expectativas da sociedade. Já o pensador R. V. Ihering desenvolveu a chamada Escola Teleológica ou Finalística, sendo que para este pensador deve ser observado a finalidade da norma. Ou seja, a ciência jurídica deve interpretar as normas de acordo com os fins por ela visados, e não apenas na lógica formal. O Direito deve objetivar o fim socia e o bem comum, em uma luta ideológica constante para persecução destes valores. Quanto a terceira corrente desenvolvida no século XX, podemos mencionar a Escola do Livre Pesquisa Científica do Direito, fundada por François Gény, onde seu principal pensamento é que a lei não é capaz de abarcar todas as hipótese fáticas da vida social, e diante destas lacunas devemos recorrer aos costumes, jurisprudência e doutrina, complementando o direito com outras fontes que não apenas a lei, autorizando o juiz agir de maneira praeter legem, paralelo à lei. Ainda houveram outras escolas e ou movimentos interpretativos do direito, mas as principais são as mencionadas acima. Os dois pensadores alemães mencionados Friedrich Carl Von Savigny e Rudolf Von Ihering, podemos dizer que foram de extraordinária importância, sendo que suas teorias contribuem ainda hoje para solução de difíceis casos judiciais, inclusive atualmente nos Tribunais Pátrios, como o Superior Tribunal de Justiça. Esses dois pensadores foram fundamentais para alterar o que a sociedade jurídica entendia por hermenêutica, até então. O alemão Saviny, introduz um verdadeiro método naquela escola histórico evolutiva, para indicar a maneira que o interprete deveria trabalhar, citando quatro grandes tipos metodológicos, o gramatical, o lógico, o histórico e o sistemático. Eram as quatro grandes ferramentas do pensador. O método gramatical é aquela que utiliza apenas a palavra como fonte, é o apego à literalidade do texto, excluído qualquer sentimento social, moral ou político. O método lógico pensado pelo alemão Saviny no século XIX, é extraído da razão (ratio) ou mens legis do texto legal, a norma é extraída da lógica, pois para Saviny o texto deve ser razoável, deduzindo diretamente do texto a solução. Encontramos em julgados do Superior Tribunal de Justiça, exemplos de aplicação do método lógico de Saviny, nos recursos AgRg no REsp 776848/RJ, Rcl 2790/SC e AgRg no REsp 1118704/RJ, cuja base foi a lógica, Outro exemplo foi o julgado AgRg no REsp 1052513, publicado em 27.11.2009, no qual os Ministros do Colendo Superior Tribunal de Justiça aplicam expressamente o pensamento lógico formal na interpretação de leis. O terceiro método ou instrumento pensado por Saviny, é o método histórico evolutivo, na qual afirmava que o direito é um produto da evolução, que acompanha o desenvolvimento da sociedade, da cultura, buscando na sua origem seus propósitos, os motivos, as condições culturais e psicológicos pelo qual a lei foi criada. Há julgados no Superior Tribunal de Justiça, que apontam a aplicação deste método, essa busca histórica das razões pela qual a lei foi criada e com isso auxilia os intérpretes a aplicar a norma, podemos mencionar os seguintes julgados: STJ, REsp 903.394/AL; AgRg na Pet 4.861/AL e REsp 575.473/RS, Por fim, o quarto método utilizado como instrumento interpretativo por Saviny, é o método sistemático, que se caracteriza na comparação de um dispositivo com outro, dentro de diversos sistemas, mas que sejam referentes ao mesmo objeto, e diante desse confronto de normas chegamos ao espírito da norma, à regra e à exceção. Exemplo prático da aplicação do método sistemático no Superior Tribunal de Justiça, se deu no RMS 22.765/RJ, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, julgado em 03/08/2010, onde a Relatora analisou diversos dispositivos da Constituição Federal, especialmente, os artigos 37, inciso XVI, com o artigo 42, § 1º, e 142, § 3º, II, todos da Constituição Federal, para se chegar a uma conclusão do julgamento. Ainda, podemos mencionar o HC 124.922/RS, julgado em 15/06/2010 pelo Superior Tribunal de Justiça, que entendeu aplicar a interpretação sistemática dos artigos 33 e 126 da Lei de Execução Penal, que embora permitem o estudo e o trabalho aos presos em regime fechado e semiaberto, limitam o período a no máximo 08 (oito) horas por dia, e, segundo o julgado, nada impede que condenado estude e trabalhe no mesmo dia, contudo, as horas dedicadas a tais atividades somente podem ser somadas, para fins de remição da reprimenda, até o limite máximo de 8 (oito) horas diárias. As escolas anteriores (glosadores, exegética, etc.) entendiam que a interpretação da norma deveria ser baseada no texto legal, na letra fria da lei, uma interpretação enrijecida do texto, sem possibilitar ao julgador interpretar e extrair a norma por trás do texto legal. Ainda, um último método clássico chamado de método teleológico, como já mencionamos, criado na chamada Escola Teleológica ou Finalística, por R. V. Ihering, sendo que para este pensador deve ser observado a finalidade da norma. Ou seja, a ciência jurídica deve interpretar as normas de acordo com os fins por ela visados, e não apenas na lógica formal. A norma deve ser aplicada ao fim que ela se propõe, independente da criação do texto e seu momento. Para essa corrente, o direito deve objetivar o fim socia e o bem comum, em uma luta ideológica constante para persecução destes valores. Observa-se que os métodos trazidos pelas escola e movimentos interpretativos são fundamentais, pois dão suporte, ferramentas e base para o intérprete (sujeito) buscar o propósito da norma e dos fatos (objeto) para melhor interpretação e aplicação da norma jurídica, cujo resultado final será uma hermenêutica científica, que traduzirá em uma maior segurança jurídica e isonomia para todos.

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