quarta-feira, 22 de abril de 2020

Modernidade líquida, Bauman e Direito (Processual) Penal

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman nasceu em 1925, na Polônia, e faleceu em 9 de janeiro de 2017. Um dos maiores pensadores da atualidade, Bauman deixou como uma fantástica herança: o seu legado ao mundo. O corpo (a matéria) se foi, mas suas lições, análises, respostas às perguntas e anseios dos dias atuais, ficaram. Bauman partiu de uma noção analisada e construída do líquido e liquidez, expondo no campo social, e também jurídico, que as estruturas são frágeis, justamente diante da ausência de solidez dos alicerces, como, por exemplo, nossas concepções, emoções, crenças, medos, valores e princípios. O que temos de sólido, de concreto, no campo do Direito Penal? Muita coisa, penso eu. Teorias firmes, julgamentos robustos em conformidade com a Constituição Federal, doutrinas bem fundamentadas e leis “perfeitas”. Mas essa solidez no campo prático do Direito, especialmente no Penal, muitas vezes se liquidifica. O maior problema vem dos juízes, promotores, delegados e também dos advogados, muitas vezes, quando utilizam e praticam o direito. Explico. Com base nas suas próprias convicções frágeis, insustentáveis, desumanas muitas vezes – ou seja, líquidas –, algumas decisões, pareceres e requisições acabam colocando e reproduzindo em prática aquilo que pensam, e não efetivamente o que o Direito é. São aqueles julgamentos, decisões judiciais autoritárias e arbitrárias. Ou seja, é querer aplicar e produzir/decidir o Direito não de acordo com o Direito, mas de acordo com o que a própria pessoa pensa que deveria ser o Direito. O líquido substitui o sólido, fazendo com que a liquidez acaba se fazendo presente nas instituições jurídicas, principalmente na esfera criminal. Outra questão que merece uma análise aprofundada diz respeito ao processo de estigmatização e seletividade criminal. Temos no país, e não é de hoje, um sistema que seleciona os úteis e os inúteis para a sociedade, e que acaba criando também uma seletividade efetiva dentro do sistema penal. Baseando-se na obra de Bauman, Aury Lopes Júnior, sustenta: Mas cada esquema de pureza gera sua própria sujeira e cada ordem gera seus próprios estranhos. Isso se reflete muito bem na tolerância zero para o outro e tolerância dez para nós e os nossos. E o critério da pureza é a aptidão de participar do jogo consumista. Os deixados de fora são os consumidores falhos e, como tais, incapazes de ser “indivíduos livres”, pois o senso de liberdade é definido a partir do poder de escolha do consumidor. (LOPES JÚNIOR, 2016, p. 43) Pode-se afirmar que tal estereótipo segue um padrão agudamente preconceituoso, ou seja, o sujeito é identificado como criminoso por características já previamente definidas, selecionadas. O Direito Penal não pode ser loteria. O Direito e as normas devem servir para a coletividade e nisso também se inclui o réu. Infelizmente, vivemos no Brasil com um Poder Executivo falho e omisso, voltado para os interesses individuais dos que o controlam; e um Poder Legislativo, em grande parte, improbo. O momento atual é de reflexão e questionamento. Direitos e garantias fundamentais correm risco inédito, desde a promulgação da Constituição Cidadã. REFERÊNCIAS LOPES JR. Aury. Fundamentos do processo penal: introdução crítica. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

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