quarta-feira, 22 de setembro de 2010

ACÓRDÃO DO TJ/RJ SOBRE ADEQUAÇÃO SOCIAL DA CONDUTA

EMENTA OFICIAL: Cidadão denunciado porque tinha em depósito, para fins de venda a terceiros em uma feira, grande quantidade de CDs e DVDs «pirateados», em violação de direitos autorais; incidindo o Código Penal no artigo 184, §§ 1º e 2º. Sentença absolutória, baseada na insuficiência de provas. Apelação do MP de 1º grau, com respaldo do MP de 2º grau. Respeitosa discordância. Provas coligidas na etapa policial e na instrução que destroem a versão do réu no interrogatório em que tinha tais objetos de imagem e som, ou apenas de som, para utilização pessoal; o que até contraria lógica elementar. No entanto, razão do provimento de piso por outro fundamento. Fato notório de que em todo o Estado do Rio de Janeiro, e talvez em todo o Brasil, CDs e DVDs são vendidos em grandes quantidades, por ambulantes, e por preços módicos; sobretudo, devido ao alto custo para a grande maioria da população. Fato também notório de que pessoas, mesmo de condição social média, média para elevada, e elevada, através da Internet, obtém cópias de filmes e de obras musicais, relegando ao oblívio os ditos direitos de autor. Positivação de que o réu; operário de «lavajato»; com baixíssima renda, a complementava com tal atividade, por certo ilícita, porém muito menos lesiva à sociedade do que o comércio de drogas ou a investida violenta ao patrimônio alheio. Rigor de o julgador estar atento à sofrida realidade social deste país, a qual assim continua; embora de pouco alterada nos últimos tempos. Tipicidade que existe no sentido próprio, mas que é afastada in casu pela aceitação social da mesma conduta; e que apenas cessará por medidas sólidas, de governantes e legisladores, combatendo pelas reais origens. Possibilidade de o Poder Judiciário atuar praeter lege, em casos como o vertente, evitando que o máximo do direito se converta no máximo da injustiça; assim evitando atitude farisaica. Princípios, na esteira, contidos no Preâmbulo e no corpo da Carta Republicana. Incidência, por analogia, do artigo 386, III, da Lei de Regência. Recurso que se desprovê. Voto vencido.
Ap. Crim. 6600/2009 (2ª Vara Criminal da Comarca de Nilópolis) - Rel.: Des. Luiz Felipe Haddad - Apte.: Ministério Público - Apdo.: André Simões dos Santos – J. em 02/02/2010 – 6ª Ccrim. - TJRJ.
ACÓRDÃO
VISTOS, relatados e discutidos estes autos da APELAÇAO CRIMINAL Nº 6600/2009, em que é Apelante o MINISTÉRIO PÚBLICO, e Apelado ANDRÉ SIMÕES DOS SANTOS.
ACORDAM os Desembargadores que integram a Sexta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, na Sessão hoje realizada, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso. Vencido o Revisor, Des. Paulo de Tarso Neves, que o provia, nos termos de seu voto.
VOTO:
Em que pese o Parecer do douto Procurador de Justiça Frederico Canellas, respaldando a insurgência da Promotoria de Justiça, reputa-se acertado e justo o decisório de absolvição, emanado do culto Juiz Rodrigo Faria de Sousa.
Com efeito, os policiais civis Ricardo dos Santos Sá e André Felipe de Sousa da Silva, em hora matutina do dia 09 de janeiro de 2008, no interior da residência do réu e de sua companheira Mariângela, acharam e arrecadaram 718 DVDs de películas cinematográficas e de «shows», além de 39 CDs de músicas variadas. Constando, na ocasião, que grande parte daquela mercadoria seria vendida em uma feira dominical que sempre se realiza na cidade de Nilópolis. Tendo o laudo pericial do ICCE comprovado as falsificações, e consequentes violações de direitos autorais.
Os indícios referidos foram corroborados no processo propriamente dito. Embora o réu, no interrogatório, tenha dito que trabalhava em um «lavajato», e que tais CDs e DVDs não seriam para venda, mas para utilização pessoal, tal versão é refutada por elementar lógica. Sendo ele um cidadão de baixa renda, não se daria ao luxo de colecionar CDs e DVDs em grande quantidade, podendo vendê-los na dita feira ou até em qualquer rua, na condição de camelô.
Apesar disso, a absolvição deve ser confirmada, por outros fundamentos. É fato notório que CDs e DVDs «piratas» são vendidos, e revendidos, às escâncaras, nas grandes, médias e pequenas cidades, deste Estado do Rio de Janeiro, e em quase todo o Brasil. Basta que qualquer um de nós, saindo deste Tribunal, dê uma volta pelas artérias próximas, que poderá escolher e comprar um dos mesmos, por dez reais cada DVD, ou por cinco reais, cada CD. E a razão disso repousa em que tais objetos de imagem e som, ou apenas de som, são muito onerosos para a grande maioria da população. Isto, sem falar-se em que diversas pessoas, de camada social média, média para alta, e alta, através do us da Internet, obtêm cópias também «piratas» de CDs e DVDs.
O julgador não pode restringir-se ao puro positivismo, máxime em matéria criminal. Deve ser atento à sofrida realidade social do país, que persiste apesar de mitigada nos últimos tempos. Pessoas como o réu, e recorrido, tendo que sobreviver com apoucados dinheiros, optam por dedicar-se a atividades nem sempre lícitas. Mas neste caso, não se duvida que vender, como ambulante, CDs e DVDs, por preços módicos, é muito menos lesivo à sociedade do que vender entorpecentes, ou investir com violência ou grave ameaça contra o patrimônio alheio.
Embora o ato praticado pelo réu seja típico em sentido próprio, tal fator é contrariado pela larga aceitação, de tal conduta, pela sociedade, na grande maioria. O que retira, da pretensão punitiva, a justa causa.
Nem mesmo se pode divisar presente o delito de receptação. Repete-se que, para um homem de pouca instrução, de baixíssima renda, e habituado a ver muitas outras pessoas praticando o comércio de produtos «piratas», o que ele fazia nada teria de anormal. Aliás, bem salientou a Defensora Pública Thaís dos Santos Lima, em suas finais alegações, que «a compra de mídia pirata se revela como fato socialmente aceitável».
Condenar-se o recorrido a uma severa sanção prisional, na expressão mínima de dois anos, por uma conduta que se comete por diuturno, do Oiapoque ao Chuí, do Acre ao Rio Grande do Norte; por pessoas de várias condições; será traduzido no que os antigos juristas romanos repudiavam, pelo brocardo summum jus, summa injuria. Fugirá do ideal de justiça e de equidade. Atingirá o campo do farisaísmo. Contrariará a Constituição da República no Preâmbulo e no espírito.
Com isto, não se pretende que o dito fato seja impunível. Mas sim, que antes de diligências isoladas, quase sempre contra excluídos da sociedade, haja sólido atuar dos governantes, e também dos legisladores, no combate à «pirataria», em suas reais origens.
A dita absolvição, por conseguinte, se fulcra, por analogia, no dispositivo do inciso III, do artigo 386, da Lei Adjetiva. E por interpretação praeter lege.
À conta destas considerações, e por maioria de votos, nega-se provimento ao recurso.
Rio de Janeiro, 02 de fevereiro de 2010.
Des. LUIZ FELIPE HADDAD - Relator

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