segunda-feira, 28 de junho de 2010

Gravação em parlatório ofende Estado Democrático de Direito

Assistimos, estarrecidos, nos últimos dias, denúncias sobre violações de prerrogativas da advocacia, como a instalação de equipamentos para gravação de vídeo e áudio em parlatórios onde ocorrem as conversas entre os advogados e seus constituintes dentro dos presídios federais do país, sob a alegação de se combater a suposta prática do crime organizado. Esse lamentável episódio que vem acontecendo no Mato Grosso do Sul e no Paraná representa um atentado contra a privacidade, intimidade do preso, configurando crime, por infringir vários dispositivos da Lei 9.296/1996, além de ofensa ao Estatuto da Advocacia, e também à Constituição Federal. Por isso, o Presidente da Sociedade de Advogados Criminais do Estado do Rio de Janeiro, Antonio Carlos Barandier, manifestou, em nota: “o seu repúdio à medida que afronta o estado democrático de Direito, insulta a Constituição, contunde as prerrogativas dos advogados e dos encarcerados, proclamando o caminho do autoritarismo”.
A entrevista pessoal e reservadamente do advogado com seu cliente longe de ser um privilégio é prerrogativa legítima, jamais se admitindo, em qualquer hipótese, sua quebra. É bom lembrar que o Estatuto da Advocacia e o Código de Ética da OAB preveem como apanágio o direito e o dever de guardar sigilo profissional. Tal postulado é universal nos países civilizados, não podendo ser considerado um benefício atribuído ao advogado, mas, ao contrário, constitui uma garantia constitucionalmente assegurada a fim de se alcançar um julgamento justo ao réu, com a plenitude do direito de defesa.
Convém lembrar que o Brasil é signatário de Convenções e Tratados Internacionais, ratificados pelo Congresso Nacional, os quais consideram os tratamentos humilhantes, atingindo à tutela da privacidade e intimidade, aplicados a pessoas segregadas sob a custódia do Estado, delitos contra a humanidade. Além disso, a Corte Europeia de Direitos Humanos já entendeu que o segredo profissional se encontra protegido no âmbito internacional, pois sua inobservância envolve o rompimento de direitos absolutos e inalienáveis, estando estes na mesma hierarquia dos interesses públicos previstos no estado democrático de Direito. Logo, a mencionada medida ilegal adotada pelo governo deverá ser examinada perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA.
A Suprema Corte no pedido de Extradição de Cesare Battisti decidiu que as limitações estatais não servem de justificativa para concretizar desrespeitos a direitos fundamentais dos presos, especialmente quanto ao exercício da inviolabilidade de comunicação particular entre o advogado e seu cliente. O ministro Celso de Mello assim especificou: “O acesso a tais direitos, na realidade, há de ser assegurado, sempre, sem qualquer discriminação, a todos aqueles, brasileiros ou estrangeiros (independentemente de sua condição social, econômica ou funcional), que, eventualmente, se achem sob a custódia do Estado”.
Inadmissível num estado democrático de Direito permitir a inobservância da inviolabilidade do advogado, pois é ele indispensável à administração da justiça (artigo 133 da CF), prestando um serviço público, além de exercer função social na causa de seu constituinte. Tal violação atinge o direito de defesa, a legalidade, comprometendo ainda a independência e a liberdade, compromissos que compõem a trincheira de desempenho profissional do advogado. Como adverte Ruy de Azevedo Sodré: “sem liberdade, não há advocacia. Sem a intervenção do advogado não há Justiça. Logo, a atuação do advogado é condição imprescindível para que funcione a Justiça”.

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