segunda-feira, 26 de março de 2012

O controle dos miseráveis pela força

A penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com um “mais Estado” policial e penitenciário o “menos Estado” econômico e social que é a própria causa do aumento vertiginoso da criminalidade. A sociedade brasileira continua caracterizada pelas disparidades sociais alarmantes e pela pobreza de massa que, ao se combinarem, alimentam o crescimento inexorável da violência urbana criminal, transformada em principal flagelo das grandes cidades. O uso rotineiro da violência letal pela policia militar e o recurso habitual à tortura por parte da policia civil, às execuções sumárias (basta lembrar em 1992, do Carandiru em São Paulo, quando a polícia militar matou 111 detentos em uma orgia selvagem estatal quase épica) geram um clima de terror entre as classes populares, classes estas quase invisíveis aos olhos do “homem de bem”. Essa violência policial inscreve-se em uma tradição nacional multissecular de controle dos miseráveis pela força, tradição que vem desde a escravidão e dos conflitos agrários, inclusive que se viu fortalecida durante duas décadas pela ditadura militar, quando a luta contra a “subversão interna” se disfarçou em repressão e morte de pessoas “subversivas”. Isso sempre se apoiou em concepção hierárquica e paternalista da cidadania, fundada na oposição cultural entre “homens de bem” e “marginais”, “selvagens” e “cultos”. Desenvolver o Estado penal para responder às desordens suscitadas pela desregulamentação da econômica, pela dessocialização do trabalho assalariado e pela grande quantidade de pessoas que vivem a margem da sociedade – subproletariados, faz aumentar, diuturnamente, os meios, a amplitude e a intensidade da intervenção do aparelho policial e judiciário, equivale a (r) estabelecer uma verdadeira ditadura sobre os pobres. Por fim, até em respeito ao título, vemos o apavorante sistema carcerário, que mais parecem campos de concentração para pobres, ou empresas públicas de depósito industrial de dejetos humanos, do que instituições judiciárias servindo para alguma função penalógica – dissuasão, neutralização e reinserção. O entupimento estarrecedor dos estabelecimentos penais gera condições de vida e de higiene abomináveis, caracterizadas pela falta de espaço, ar, luz, alimentação, negação de acesso à assistência jurídica e aos cuidados elementares de saúde, cujo resultado é a aceleração dramática da difusão da tuberculose (vide recente notícia de 26 casos desta doença na Cadeia Pública de Sarandi) e do vírus HIV entre as classes populares em razão da superlotação superacentuada e das carências da supervisão. Assim, fica o alerta: pretendemos construir no futuro uma sociedade aberta e ecumênica, animada por um espírito de igualdade e de concórdia, ou um arquipélago de ilhotas de opulência e de privilégios perdidas no seio de um oceano frio de miséria, medo e desprezo pelo outro?